Enviado por luisnassif, qua, 25/07/2012 - 12:12
Por Bruno de Pierro, no Brasilianas.org
Estamos vendo surgir uma nova modalidade de capitalismo com as redes
sociais, segundo a qual as regras da comunicação não são mais ditadas
pelo jornalismo. Além dos fatos que costuma abordar e perseguir, a
prática jornalística está às voltas com o “sobrefato”, ou seja, a
movimentação da sociedade dentro do espaço cibernético, da qual a
produção simbólica do jornalismo é dependente. A avaliação é de Eugênio Trivinho,
professor do Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e
Semiótica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e
assessor do CNPq, da CAPES e da FAPESP.
Considerado um dos principais nomes do estudo sobre a cibercultura, Trivinho falou ao Brasilianas.org por
duas horas sobre as transformações da comunicação nas redes sociais e a
defasagem do jornalismo para lidar com a nova ordem que se impõe. Para
o professor, o que acontece é um “destronamento do jornalismo como
instrumento de mediação simbólica da sociedade”, ao mesmo tempo que o
real é reportado sem a necessidade da edição, perdendo-se, assim, o
monopólio do jornalismo especializado.
Na conversa, Trivinho ainda explica o conceito de “glocalização”, em
oposição à globalização. Para ele, o termo “glocal” pode explicar
melhor o cenário estabelecido pela conexão da Internet, pois significa
aquilo que une o global da rede no local de acesso. Por fim, Trivinho
fala sobre como o modo de produção do saber na cibercultura tornou-se
incompatível com os cânones da Ciência. Confira abaixo as principais
partes da entrevista. A íntegra está disponível, em
PDF, abaixo do post, ou
pode ser acessada por aqui.
Redes Sociais
No campo político, as redes
sociais são uma espécie de epicentro articulatório de indivíduos que, a
priori, são isolados, para fazer renascer alguma forma de movimentação
na sociedade. E na sociedade pode ser dentro ou fora da rede. Essa
forma de fazer política pode ser, muitas vezes, tão forte e envolvente
que é capaz de se mobilizar e se fazer projeção contra o próprio
aparato repressivo (cavalos, gás lacrimogêneo etc.).
Elas tem
uma clara função econômica. São articuladoras de novas formas de
empreendedorismo, que não estão vinculadas a certos padrões
capitalistas. O fato de não haver, em alguns casos, contratação de mão
de obra assalariada implica na recusa de certos pressupostos
capitalistas, porque onde há emprego de mão de obra assalariada, há,
evidentemente, produção de riqueza não repartida. Essa produção da
mais-valia, que se reparte, na maior grandeza, para aquele que detém as
condições de contratação, e a menor grandeza para aquele que apenas
vende sua força de trabalho, sua competência cognitiva, sua habilidade
profissional, a recusa e a ausência não configura, portanto, a
existência daquele fio condutor que sempre animou o capitalismo, que
foi a exploração de um ser humano por outro.
A outra dimensão
que as redes sociais trazem, essa sim mais sutíl e bastante curiosa, é
o fato de que diversas mega corporações, que portanto trabalham suas
marcas ao nível transnacional - e que muitas vezes são redes sociais,
Facebook, por exemplo - e que se valem do trabalho articulado de
milhões, bilhões de pessoas ao redor do mundo, consideradas como
capital humano, e que aderem a essa marca sem gastar um tostão. E
justamente por isso valoram, semana a semana, mês a mês, ano a ano, a
marca. É a exploração que não passa como exploração. É a exploração
flexivel, sutil, imperceptível, obliterada de uma marca, que se
gerencia como marca, que acolhe os consumidores - eles não precisam
comprar nada no mercado.
Jornalismo
O
jornalismo está agora em outro contexto, cujas regras não foram dadas
por ele, e diante de um fato que se coloca bastante curioso: o
jornalismo, além dos fatos que ele aborda e que ele persegue, está às
voltas com o “sobrefato”, que é agora o caso das redes sociais. O
jornalismo, que sempre dependeu de determinadas movimentações
maquinais, tecnocráticas, uma parafernalha de hardwares (satélites,
televisores), agora tem a Internet. Mas o jornalismo não depende só da
parte da parafernalha da Internet, ele depende de uma movimentação
interessante e que é da sociedade, dentro do ciberespaço e do qual o
jornalismo e sua produção simbólica depende. Assim, o jornalismo está
defasado em relação ao seu próprio contexto de inserção, exclusivamente
relacionado ao modo de produção em tempo real. Ele precisa se adequar,
espargindo as suas redes para fontes que agora não estão, senão, no
universo das redes sociais.
E mesmo o jornalismo de rede
precisa descobrir novas formas de articulação noticiosa, que
necessariamente não se faz por contrato de trabalho, às vezes se dá por
voluntariedade. Aí já estamos caindo na segunda forma de jornalismo,
que é como nós podemos considerar o jornalismo de um modo mais aberto,
ou seja, lato sensu. Jornalismo pode ser considerado como um modo de
reportar o real e o social, o modo de reportar a vida. Com uma
linguagem específica? Sim, mas não precisa ser única. E reportar falo
em recriar, pois muitas vezes o fato nem existe. Às vezes é um
factóide, criado pela própria notícia, e a notícia passa a ser o
próprio fato. E as pessoas vão ler a notícia como sendo o próprio fato.
É preciso deslocar a definição. E se jornalismo for reportar o real
para outrem - a literatura faz isso, a poesia faz isso, o teatro faz
isso -, então ele é uma modalidade de recriação desse real, para
outrem, a partir de uma linguagem muito específica.
O jornalismo
foi abolido como mediação simbólica, como escritura e re-escritura; as
redes sociais fazem isso. O que ocorre é um destronamento do jornalismo
como instrumento de mediação simbólica da sociedade e, ao mesmo tempo,
uma forma de reportar o real, que tinha sua força, primeiro na
inexistência de edição e, segundo, na colocação a público, de forma
para compartilhamento, no momento em que o fato estava praticamente
acontecendo.
Trivinho: jornalismo foi abolido como mediação simbólica / Foto: IstoÉ
Quebra do monopólio de informações
É
uma forma de dizer “recusamos o monopólio da informação”, “recusamos a
possibilidade de edição, que já opera uma auto-censura, e faz os
produtos irem à população a partir de uma mediação reconstrutora, que
pode ser uma maquiagem a respeito do que, de fato, aconteceu. O fato é
bruto, sem mediação, exceto aquela das maquinárias e da vontade típica
das próprias redes sociais. Essa quebra de monopólio não pode ser
desconsiderada como um fato que já é conhecido, que vem acontecendo há
pelo menos desde a criação dos computadores pessoais, nos anos 1970,
1980. Essa quebra de monopólio tem um fato novo: o fato agora é
reportado por aqueles que o fazem ou que estão muito próximos dele, e
que, muitas vezes, não tem ligação com as empresas jornalísticas
mediadoras e simbólicas da sociedade.
Se nós considerarmos que
jornalismo é produção simbólica de reportar o real, então temos que
considerar fora do cânone acadêmico, universitário, técnico, que o que
está acontecendo é um fato para o qual o jornalismo ainda não nasceu,
ainda nem se deu conta. E mostra o quanto ele está defasado; ele está
vendo a proliferação de fontes e não sabe o que faz com elas. O quanto
ele está aturdido em relação a isso que comparece como modo de produção
simbólica espontânea, de redes sociais comprometidas não somente
politicamente, mas com o fato de que é necessário produzir sobre o
social, sobre a vida, algo que seja mais autêntico, mais próximo do que
são os fatos, do que o próprio jornalismo tem feito.
Produção do saber na Internet
A
Internet traz um modo de produção do saber que não é, de alguma forma,
compatível com aquele do cânone da ciência. O modo de produção do saber
das redes sociais, e mesmo antes da web, com os modens, é o fato de que
há quebra da linearidade, há uma emergência da aleatoriedade; o fato de
você ter, no Huffington Post, repetitividade de certas expressões, e as
pessoas não estão nem aí, esse é o modo aleatório de produção do saber.
Você pode encontrar isso em vários lugares a mesma matéria, ou em meios
diferentes, duplicadas em parte e continuadas a partir de um
desenvolvimento diferenciado do que foi feito no outro dia. E aí você
tem acesso a uma versão e depois você saber que existe uma outra versão
mais desenvolvida, e alguém pergunta: “mas você leu essa matéria?”, e
você responde: “li, mas estava relacionada à versão prévia”.
Esse
tipo de produção do saber - e ao mesmo tempo comprometido com uma
visualidade, com apresentação despreocupada em relação à questão da
logicidade, em relação a não-repetitividade e aos cânones da lógica, da
ontologia - é o que acaba, no fundo, colocando para nós que estamos nos
relacionando com um fenômeno, cujos horizontes são tão abertos, e nós
nem começamos a explorar, e em relação ao qual nós sequer temos
elementos epistemológicos herdados para poder abordar. E eu falo de
cátedra, pois eu pesquiso essas questões da cibercultura, que é um nome
que considero importante para ser cobertura para a fase digital do
capitalismo tardio. Quer dizer, eu tomo cibercultura como categoria de
época.
O Híbrido e o Glocal
O híbrido é uma
categoria terceira, que se opera a partir da junção irreversível entre
duas constitutivas. E essa terceira não se reduz nem a uma, nem a
outra. Por exemplo, o glocal, que não é nem global, nem local, é uma
terceira coisa. Quando se diz aldeia global, em Marshall McLuhan, é
algo presencial e circunscrito, e, ao mesmo tempo, global. Existe aí um
paradoxo, uma anti-tese.
Quando você liga o seu celular, alguém
liga e você atende, ou quando você abre seu tablet e está conectado, e
mesmo quando você liga a televisão, você está na terceira grandeza, no
contexto glocal. Significa que você não está nem no local, você está
conectado em rede, e você não está nem na rede, porque o seu corpo está
no local. Você está no híbrido, no meio. E nós não vivemos no meio.
O
que você tem é uma mídia que glocaliza. Ela une a dimensão do global,
com notícia que vem de todos os lugares, que perpassa o seu ponto de
rede, e que chega no seu tablet, no seu rádio, televisão; mas que uma
vez que chega até você, porque somos mercado, chega se entrelaçando com
o local, e dele não se separa. De modo tal que o que vem da China, do
cinturão Norte da África, de Wall Street, nos Estados Unidos, é mais
íntimo para nós, quando chega em nossa tela, do que o que acontece na
esquina. Então, há um fenômeno muito curioso, que é o de distanciamento
do que é próximo e uma aproximação com o que é distante.
O ciberespaço
Estamos
às voltas com uma fenomenologia diferenciada. A fenomenologia do
ciberespaço, das redes, e também rádio, televisão, enfim tudo o que se
refere ao glocal traz consigo uma série de desafios que são
inexplicados. E o horizonte é profundo, inesgotável, não vai terminar
tão cedo. E nós precisamos dar conta, de alguma forma, disso. E a área
de comunicação é uma área privilegiada, porque é com os fenômenos da
comunicação que tudo isso tem mudado no social, mas, ao mesmo tempo, a
comunicação tem instrumentos que herdou (metodológicos e
epistemológicos) da sociologia, da antropologia, da ciência política,
da história, da filosofia, e, ainda assim, não está preparada para
poder abarcar, com profundidade e maior extensão, o fenômeno.
Crise de paradigma e Modernidade
A
comunicação é partícipe e, ao mesmo tempo, receptáculo dessa crise de
paradigma, que começa em meados do século XX, com o final da Segunda
Guerra e a liberação de grandes forças tecnológicas, científicas e
econômicas. Liberação em termos de aceleração completa. Estamos
vivendo, agora, o estressamento dessa onda de longa duração. Ninguém
aguenta mais tanta aceleração, tanta vida articulada pela lógica da
velocidade. Para tudo temos que correr, qualquer produção. E nós somos
julgados e avaliados em função da produtividade que fazemos em menos
tempo. O jornalismo diário, e o semanal também, é uma loucura, porque
você precisa dar conta do tacape do tempo. Então, a partir dessa época
[meados do século XX], ocorreu o que os historiadores teóricos vem
tratando como Ocaso da Modernidade e a emergência de alguma coisa que
se pode chamar de “pós”: pós-industrial, pós-moderno, e até falaram em
pós-capitalismo.
Aí começa uma sensação, desde o senso comum até
a Ciência, passando por outras formas de produção simbólica na
sociedade, e a principal delas é a jornalística, de que nós já não
sabíamos mais nomear quê tipo de civilização era aquela que estavamos
vivendo. E essa quebra de paradigma vinha justamente pelo fato de que
já não se podia mais acreditar nas metanarrativas, nas utopias ou
grandes visões de mundo, porque foram elas que nos levaram à hecatombe.
Foi o liberalismo pelo capitalismo, foi o nazismo pelo Terceiro Reich,
foi o comunismo stalinista, pela burocracia soviética, que nos levaram
a um beco sem saída: a Segunda Guerra, que aplicou, para destruição,
todos os recursos do século XVIII, ou desenvolvidos, a partir dele,
para emancipar o gênero humano do obscurantismo, da miséria. A Razão, a
Ciência e a Técnica foram barganhadas para a destruição massificada,
inclusive depois daquela bomba, vieram outras ogivas, no ápice da
Guerra Fria, capazes de destruir o planeta. Alguma coisa tinha que
parar esse filme, que era o conto da carochinha do progresso
tecnológico. A modernidade acabou se realizando pela sua sombra. Não
foi a modernidade prevista, da liberdade, da distribuição da riqueza.
As
ciências, cada qual no seu ramo, desenvolviam-se em função de uma
narrativa de emancipação, todas elas cooperavam para trazer luz, para
que o ser humano pudesse, através do conhecimento, da superação das
doenças, da superação da miséria, das superstições, a luz da ciência, a
luz da Razão, para que a humanidade pudesse prosperar em conjunto. As
ciências trabalhavam em função de uma metanarrativa; ou era o marxismo,
ou era o liberalismo, ou o humanismo. De repente, perdemos os
referenciais primeiros. Cada ciência começou a operar por conta
própria, começou a olhar para dentro de si, e a se desenvolver segundo
um método, que é desenvolver-se em congressos específicos. Uma não se
comunica com a outra, e a idéia de interdisciplinaridade começou a ser
bastante artificial.
Comunicação como modus vivendi
A
comunicação é muito mais do que um campo de trabalho, um campo de saber
e é muito mais do que o conjunto dos aparatos da sociedade, muito mais
do que a nossa intencionalidade de chegar ao outro e dizer alguma
coisa. Ela é, hoje, prótese invisível do inconsciente. Ela é hoje modus
vivendi. Muniz Sodré, professor da UFRJ, em um livro chamado
Antropológica do Espelho, diz que comunicação é bios, gera hábitos.
Então, ela faz parte e se beneficiou da quebra de paradigma, porque
ela, a comunicação, desde os anos 1940, 1950, com a cibernética, acabou
por se colocar como uma nova utopia. Ela se serviu do vazio deixado
pelas utopias políticas e filosóficas, econômicas e religiosas, e ela
se colocou como o novo religare, uma nova forma de articular a vida das
pessoas. Hoje é preciso ter pela atendente bancária que haja um
treinamento, de recursos humanos, para ela aprender a ter inteligencia
emocional na situação de estresse e, ao mesmo tempo, sorrir. Porque
isso é comunicação da marca, é comunicação da empresa. A comunicação se
prevaleceu da crise de paradigma.
Íntegra da entrevista em PDF: Nassif