segunda-feira, 30 de março de 2009

40 anos da morte de Marighella



Sentinela - Luís Guilherme*

No terceiro mês deste ano em que se completam os 40 anos do assassinato do político Carlos Marighella e os 30 anos do translado dos seus restos mortais de São Paulo para o Cemitério da Quinta dos Lázaros, em Salvador, dois episódios afins ocorridos no período devem ser enaltecidos: a apresentação, na primeira quinzena de março, da peça O amargo Santo da Purificação. Uma visão alegórica e barroca da vida, paixão e morte do revolucionário Carlos Marighella pelo grupo gaúcho “Oi Nóis Aqui Traveiz” na Praça Municipal; e a entrevista da pesquisadora Clara Charf, viúva de Marighela, à revista Muito que acompanhou a edição dominical de A Tarde no último dia 29 de março.

O baiano Carlos Marighela, mestiço como todos nós, é filho de afrodescendente com italiano, e completaria 100 anos em 05 de dezembro de 2011 se a saúde assim o permitisse e se agentes do Dops, sob o comando do delegado Sérgio Fleury, não o varassem de balas numa emboscada na Alameda Casa Branca, em São Paulo, no dia 04 de novembro de 1969. Dez anos depois, em dezembro de 1979, os parentes e amigos transladaram os restos mortais e os depositaram numa modestíssima sepultura do Cemitério da Quinta dos Lázaros, sepultura que permanece modesta apesar da lápide criada pelo arquiteto Oscar Niemeyer (completará 102 anos em dezembro deste ano) em que figura a epígrafe do morto: “Não tive tempo para ter medo”.

Perdeu quem não foi assistir O amargo Santo da Purificação porque foi uma oportunidade quase lúdica de conhecer Marighela. Os seus descendentes que residem em Salvador estavam lá na estréia do dia 13 de março, numa praça que não lotou e num ambiente tão respeitoso que até os bêbados transitavam imperturbáveis em cena dada a sorridente condescendência dos atores. Tomara que a Tribo de Atuadores Oi Nóis Aqui Traveiz volte em breve.

A entrevista de Clara Charf, 84 anos, enfeitou seis páginas (10-15) do número 52 da revista dominical Muito de A Tarde. A fotógrafa Rejane Carneiro colheu imagens da alegria que sempre me impressionou nesta militante que passou a viver com Marighella quando ela tinha 20 anos de idade. Ei-la sorridente, vestida de rosa, com a mesma vitalidade que exibiu no documentário Vlado, 30 anos, lançado em 2005 pelo cineasta João Batista de Andrade. A repórter Tatiana Mendonça deixou Clara à vontade para demonstrar mais uma vez a doce coragem que percorre suas veias.

Esta é a segunda vez que escrevo artigo em que figura Carlos Marighella. Em 08 de agosto de 2007, A Tarde publicou na sua página 3 o artigo anterior, “Niemeyer nas Quintas”, sobre a presença da arquitetura dele na Bahia. No mesmo dia recebi e-mail de m.odonto contrariado com o tratamento que dediquei a Marighella quando disse que ele é “um dos heróis da resistência nacional ao arbítrio”. A democracia autoriza tal reação. Por outro lado, o tratamento que dei a Mariga agradou muito o filho dele.


* Jornalista e produtor editorial. lulapt@svn.com.br

terça-feira, 24 de março de 2009

Morto, enfim quitarei

Sentinela - Luis Guilherme*
lulapt@svn.com.br

Após 240 meses de regular pagamento da prestação da casa própria e do seguro do imóvel à Caixa Econômica Federal – CEF –, completou-se o prazo dos 20 anos do financiamento – o equivalente a R$ 21.545,53 – iniciado no final de 1988, após a quitação de uma entrada de 25% do valor total. Com a 240ª prestação, paguei à CEF a soma de R$ 66.364,78. O imóvel – um apartamento de dois quartos – é localizado na Ladeira do Arco, no Barbalho. Acontece que a Caixa está cobrando mais 108 prestações de R$ 3.253,66 a fim de receber o saldo residual, atualmente de R$ 180 mil. Sobrou-me apenas procurar o auxílio da Justiça.


Até dezembro de 2008, devido ao percentual estabelecido em 1988 para a equivalência salarial, este mutuário pagava em torno de R$ 300,00 por mês. O despudor da Caixa, através da Engea, empresa para a qual ela repassou os seus créditos, permitiu-lhe multiplicar o valor por 10, desconhecendo por completo que a equivalência salarial regia o contrato. Pretendi há uns três anos dialogar com a Caixa e paguei a taxa estipulada para a avaliação do imóvel. Resultado, a Caixa ou a Engea quis receber pelo imóvel, suponho que à vista, o valor de mercado, desconhecendo por completo o montante das prestações pagas. Não topei. Não imaginava, então, que a escorcha seria, mais adiante, bem pior. É bem verdade que ouvi certa vez de um gerente que a CEF não me vendera um imóvel e sim dinheiro. Diga-se: dinheiro exageradamente caro.


O professor e advogado Luiz Carlos Forghieri Guimarães, da Escola Superior de Advocacia da OAB/SP, entende que o problema fere direitos pétreos assegurados na Constituição Federal de 1988 e considera indispensável que o Supremo Tribunal Federal o examine e exare decisão a respeito. Seu artigo “Sistema Financeiro, Saldo Residual e a Constituição Federal” alerta para o fato de que é impossível extinguir o débito [saldo resuidual]. E, sentencia: “Só não enxerga quem não quer, ou não se quer enxergar que esses contratos habitacionais cumprem uma disfunção social, tornando-se, na verdade, para o mutuário, o castigo de tântalo, da mitologia grega, para nunca mais terminar, em outro dizer, daqui a 50 anos haverá saldo residual, daqui a 500 anos haverá saldo residual, enfim, haverá saldo residual ‘ad eternun’”.


Fico imaginando como deve reagir alguém com instrução básica e frágil musculatura psicológica diante de um problema das dimensões como este que se apresentou a mim desde janeiro deste bendito ano de 2009. Espero que os advogados que constituí obtenham sucesso e que contribuam para a construção de jurisprudência que auxilie a milhares – só na Bahia há mais de 12 mil mutuários em situação semelhante à minha – de pobres brasileiros que seguem adiante com a pressão alta e o medo que lhes abate o viver. Estou certo de que não será necessário morrer para, enfim, o seguro quitar o débito.

Os artigos assinados não representam necessáriamente a opinião do Sentinelas da Liberdade. São da inteira responsabilidade dos signatários. Sentinelas da Liberdade é uma tribuna livre, acessível a todos os interessados.