quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Sentimentos são

Conto








[infância de outrora]


Existiu um tempo em que os tapetes eram mágicos, e voavam a procura de uma nuvem doce e aconchegante para apreciar o mundo ideal, os sapos tornavam-se príncipes doces e carinhosos, Dom Quixote lutava contra os moinhos de vento, ao lado de Sancho Pança, que sempre estaria ali, para mais um moinho ou loucura do querido amigo, as Cinderelas acordavam para vida, os leões tomavam seu lugar ao trono, a dama fugia com seu vagabundo encantador, e, por fim, as feras conheciam suas belas.

Nesse tempo sempre havia o caminho de tijolos amarelos!

As bruxas se esvaíam, os príncipes e as princesas superavam seus preconceitos, suas raças, seu orgulho, e saíam por aí bailando ao som de uma vida inteira de apoio, batalhas internas e externas, amor, paixão e carinho [...]

Todos seguiam seus caminhos de tijolos amarelos [...]

E como era bom cruzar o caminho, encontrar o arco-íris, e se transformar em uma bela princesa, daquelas com direito a castelo, vestidos rodados, sapatinho de cristal, uma carruagem e o príncipe, amando-a por uma vida inteira.

Houve um tempo em que as meninas queriam ser princesas, pois as princesas existiam em seus corações.

Houve um tempo em que ela sabia a diferença do bem e do mal, do bom e do ruim, do feio e do belo.

Esse tempo não existe mais.

Ela não achou seu caminho, os príncipes viraram sapos, e não o contrário, a fera sempre fora fera e nunca encontrara sua bela, ou alguma desequilibrada que conseguisse conviver com tamanha grosseria.

Ela, que nunca fora bela, só encontrava filhotinhos, achando que eram feras, e que, de alguma forma, nunca conseguiam crescer.

Tentava esquecer do seu não-conto-de-fadas assistindo qualquer filminho no cinema para tentar respirar o que há muito saiu de seu coração: a fantasia e a capacidade de fantasiar.

Há muito sua fada madrinha, se é que ela teve uma fada madrinha, esquecera dela, e só deixara em seu caminho choros, dores e decepções de pseudo-príncipes que eram sapos que juravam, e alguns acreditavam fielmente, serem os mais galanteadores e nobres príncipes que toda donzela em apuros já sonhou um dia.

Ela já não é donzela há muito tempo e há muito tempo deixou de querer ser salva por qualquer Zé Ninguém que aparece pela rua, vestido de branco, montado em um cavalo branco, segurando uma espada prateada e reluzente, com um sorriso torto e a pior das intenções.

Sim, sentimentos são fáceis de mudar, novas sensações, doces emoções e mais um novo prazer.

E, para ela, eles mudam a cada estação.

Em uma, ela está com um pseudo-príncipe que achou em uma festa qualquer e se envolveu por pura carência. Ele, que não é aquele poço de doçura, também está com ela só por carência, achando fielmente não ser ela aquela por quem esperou a vida inteira e nem quando se beijam saem faíscas próprias de quem está apaixonado.

Em outra, ela até acha que se apaixonou, mas já está tão ferida, que não consegue mais confiar em ninguém. Ele, por falta sagacidade, ou vontade mesmo, deixa de lado aquele potencial de faísca atrás de alguém mais fácil, que se envolve só pelo dinheiro ou prazer.

Infelizmente, nesta estação ela se apaixonou pelo cara errado: um menininho imaturo, que mal sabe o que é crescer e ser homem, e mesmo que um dia chegue à terceira idade, tenha filhos e se case com algum resquício de donzela que imagine ser o amor de sua vida, vai continuar agindo da mesma forma, se envolvendo com qualquer uma fora de casa, para manter-se em contato com sua pseudo-virilidade.

Noutra estação ela diz a si mesma que não quer mais saber de príncipes encantados e se dedica a si mesma, para provar que pode ser feliz solteira. Mas, ela percebe que não está apenas solteira, está solitária. Tenta buscar novos prazeres e estes resultam inúteis. Foi nessa estação que ela descobriu o vazio dos prazeres frugais. Foi nessa estação que ela se descobriu vazia e, ao mesmo tempo, cheia de si. Ela entendeu que não precisa de um companheiro para ser feliz ou mulher, muito menos de um sapo.

Mas, também compreendeu que não precisa de um homem qualquer, achado em uma festa qualquer, para terem uma transa qualquer em um motel barato qualquer, só para sentir-se ainda mulher, feminina, ativa e moderna. Aliás, percebeu da pior forma possível que o que se diz moderno, do futuro século, para ela, ou para qualquer outra mulher ou outro homem, nada mais é do que relações secas, de vidas secas em busca de secos prazeres. Ela descobriu-se suficiente e equilibrada para perceber-se sozinha, solteira e sem caçar e deixar-se ser caçada para preencher sua cama por uma noite. Ela não quer mais preencher sua cama vazia com um homem vazio. Se sua cama for preenchida, terá de ser com alguém que ame, mas, ame de verdade, mesmo que não dure, e não pense que ame por carência afetiva.

Foi uma lição dura de se aprender, mas, aprendera.

Noutra estação, conheceu o que achou ser um príncipe de verdade, daqueles que se vê em filme, com castelo e tudo.

Era encantador e, como não podia ser diferente, a encantara!

Mostrou-lhe novos mundos, novos sabores, novas formas de amar! Mostrou-lhe o que há muito vinha procurando em seu coração: um conto de fadas, sendo que ela era a protagonista. Ela era a princesa! Eles se amavam, de forma simples, poética, doce e deliciosamente leve.

Parecia que ela sempre andava embevecida dele. Ela se sentia adolescente novamente, como quando ouvia seu cantor preferido no rádio e ficava enrubescida.

Ah! Eles andavam pelas ruas como se as ruas fossem deles e fizessem parte de um lindo conto de fadas com final feliz, mas sem bruxas.

Até que um dia as máscaras ruíram.

Nem a fantasia nem a carência conseguiam colar os pedaços de sonho no lugar novamente.

Ela percebera que ele não era nem príncipe, nem sapo, mas, humano.

Sua humanidade pesara em seus ombros.

Não o queria mais, por ele também não a querer mais.

Nem ele era príncipe, nem ela era princesa, e a humanidade de que eles dois eram feitos pesava nos ombros já castigados pelas decepções de outrora.

Preferiram seguir sozinhos, pois não conseguiriam suportar verem suas fantasias destruídas.
Ou, como ela mesma veio a definir: não suportaria ver a realidade que o Sol trouxe ao dissipar a neblina que cobria o chão.

Seria menos doloroso para ela, e para ele também, seguir sem ele, só para ter uma lembrança boa para sonhar em dias de solidão.E assim, mesmo sem beijar um sapo, ou sem ver o Dom Quixote e o Sancho Pança enfrentarem moinhos de vento, sem ter subido em um tapete mágico e voado para ver seu mundo ideal, sem ter sido uma dama que encontrou seu vagabundo e, muito menos, sem ser a bela da fera, ou uma princesa com sapatinho de cristal, percebeu que estava no caminho certo.

Nem ficaria com sapos, nem com príncipes, que no fundo não eram príncipes, mas sim, seres humanos.

Não se envolveria com qualquer um por carência, pedindo para que este seja desesperadoramente o príncipe certo, nem trancaria seu coração.

Descobriu, então, que nem existiam príncipes, nem ela era uma princesa.

Abriu os olhos para vida real, sentimentos reais, que são fáceis de mudar, em que basta um olhar que o outro não espera, que junta ou assusta duas pessoas, belas e feias ao mesmo tempo.

Deixou os contos de fadas onde eles deveriam ficar: na infância bem vivida de outrora em que toda história tinha um príncipe, uma princesa e um final feliz.

“É, acho que encontrei meu caminho de tijolos amarelos” – pensara ela em seu apartamento vazio e cheio de si.

“Mas, acho que essa já é outra história” – pensava rindo com um sorriso torto.É, ela descobriu seu caminho de tijolos amarelos, sem príncipes, nem princesas, sem sapos ou bruxas, simplesmente, cheios de si.


*J.C. É uma amante das letras, dos filmes, livros e, mais que tudo, poesia. Sou aquela que ama escrever e gosto de analisar o cotidiano de forma poética,para, quem sabe, deixá-lo menos sem graça.
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