sexta-feira, 17 de abril de 2009

Niemeyer na Gameleira

Sentinela - Luis Guilherme*
Da varredura que se fez em 2007 em busca da arquitetura de Oscar Niemeyer na Bahia chegou-se apenas à lápide que o arquiteto centenário criou em dezembro de 2004 para o túmulo de Carlos Marighella no Cemitério da Quinta dos Lázaros. Desde então o nome do arquiteto foi vinculado a uma série de pretensas obras em Salvador: um novo estádio no lugar da Fonte Nova, um oceanário no terreno que foi do Clube Português e um novo teatro na Gameleira. Sobre as pretensões, Niemeyer apenas se pronunciou a respeito do estádio e defendeu a preservação do projeto original de Diógenes Rebouças.

Do oceanário, não se ouviu mais falar. Resta na mídia a notícia de que Oscar Niemeyer está criando o projeto arquitetônico do Teatro do Povo a pedido do presidente da Fundação Gregório de Matos, jornalista Antônio Lins, conforme a afirmação desta autoridade municipal da Cidade do Salvador no artigo “Sonhar é preciso” que A Tarde publicou na quinta-feira (16.04.2009) na página de opinião (p. 3). O Teatro do Povo, segundo uma ou outra nota de coluna, será construído na área hoje ocupada pelo estacionamento da Gameleira, no alto da Ladeira da Montanha.

A área em apreço é a mesma que sediaria a unidade baiana do Museu Guggenheim que a instituição norte-americana pretendeu edificar em parceria com a Prefeitura Municipal de Salvador. O prefeito era Antônio Imbassahy, que, por certo, pesou e mediu as consequências, inclusive a disputa visual que o novo equipamento estabeleceria com o Elevador Lacerda, um dos mais importantes ícones turísticos da cidade. O assunto seduziu o interesse da mídia na época e, assim como surgiu de repente, desapareceu na mesma velocidade.

O político e empresário Mário Kertész, âncora do programa “Jornal da Bahia” da Rádio Metrópole, afirma veementemente que o presidente da Fundação Gregório de Matos está construindo um factóide para chamar a atenção e que o escritório de Oscar Niemeyer não endossa a versão de que o arquiteto esteja projetando o Teatro do Povo de Salvador. Tampouco o radialista crê, conforme o mesmo Antônio Lins afiançou, que o regime do coronel Muammar Kadafi, presidente da Líbia, entraria numa parceria com a Prefeitura de Salvador e financiaria o projeto.

Temo que a Bahia ainda acabe pagando caro – quiçá na barra de um tribunal – pelo uso descarado do nome de Oscar Niemeyer, um homem de bem com a vida e cujo compromisso é nos legar sua obra e o bom nome que continua elevando neste século XXI de meu Deus.

Há um detalhe no artigo do presidente da Gregório de Matos que me intrigou, porque é leviano. Dizer que a capital baiana não tem palcos é desconhecer os muitos equipamentos quase ociosos que reclamam melhor aproveitamento urgentemente. Lembro por exemplo o Teatro do Iceia, os auditórios dos prédios do Centro Administrativo da Bahia, os velhos cinemas Pax e Jandaia e assim por diante. Considero injusto, ademais, afirmar que falta programação voltada para a gente pobre da cidade, quando há espetáculos dominicais a Cr$ 1,00 no Teatro Castro Alves. Virou moda atacar a área cultural do Governo do Estado... Isso deve doer, todavia o secretário e seus pares parecem cada vez mais equilibrados em suas funções.

Melhor seria se a nossa imprensa adotasse com mais frequência o gênero interpretativo e assim apurar mais os assuntos e explicá-los de modo claro e preciso. Nesse sentido, o melhor a fazer é entrevistar Oscar Niemeyer e Muammar Kadafi. A pauta está lançada.

*Luis Guilherme Pontes Tavares - Jornalista e produtor editorial.

segunda-feira, 6 de abril de 2009

O estilo gonzo no Brasil


Sentinela - Luis Guilherme Pontes Tavares*


Os novos sinais de fissura no frágil corpo da liberdade humana devem explicar a crescente, porém tardia, repercussão da vida e da obra do jornalista e escritor norte-americano Hunter S. Thompson, criador do gonzo journalism. Thompson desafiou a legislação do seu país no quanto pode com os seus textos e no uso desenfreado de drogas, bebidas, velocidade e armas. Marcado com o selo de bad boy, apesar disso o jornalista era tratado pelo seu editor da Rolling Stone, Jann Wenner, com o distinto qualificativo de Dr. Hunter Thompson.

O gonzo journalism é, segundo o jornalista André Felipe Pontes Czarnobai (TCC. Porto Alegre: UFRS, 2003) , “o filho bastardo do new journalim”, que, por sua vez, é o estilo que aproxima os recursos da literatura do jornalismo. No gonzo o jornalista é o personagem principal da reportagem e incorpora ao texto aspectos do cenário e da ação que o jornalista de modo geral não daria a menor importância. Thompson transformou sua obra jornalística em algo tão pessoal que esse estilo torto e bizarro ganhou a denominação de gonzo. E tanto mais gonzo se tornava quanto mais Hunter Thompson o temperava com drogas e bebidas alcóolicas.

A edição mais recuada de um livro de Hunter Thompson no Brasil deve-se à editora carioca Anima, que, em 1984, publicou Las Vegas na cabeça. Estampou na quarta capa a setença atribuída ao The New York Book Review, de que a obra era “o melhor livro da década das drogas”. Esse livro ganhou nova edição da Conrad, editora de São Paulo que tem publicado nos últimos anos a obra de Thompson, e seu título agora é Medo e delírio em Las Vegas, o mesmo que foi adotado pelo cineasta Terry Giliam para o filme de 1998, inspirado no livro, em que Johnny Depp contracena com Benicio del Toro.

Em 2007, a editora paulista Companhia das Letras publicou, na sua coleção Jornalismo Literário, a coletânea Reino do Medo – segredos abomináveis de um filho desventurado nos dias finais do século americano, que reúne textos de Hunter Thompson que contêm informações sobre si, de modo que a obra funciona como uma autobiografia. Acrescente-se a esse livro o recente filme, ainda sem legenda em português, Gonzo: the life and work of Dr. Hunter S. Thompson, cuja cópia está sendo vendida numa grande cadeia brasileira de livrarias pela bagatela de R$ 150,00.

Thompson nasceu em 1937, no estado do Kentucky, às vésperas, portanto, da II Guerra Mundial. Quando jovem, serviu à força aérea norte-americana, onde iniciou o jornalismo. De redação em redação, passou a condição de freelancer e colaborador regular da Rolling Stone. Seu modo invulgar de tratar os temas tornou a trajetória de Hunter Thompson extraordinária. Foi o caso, por exemplo, da pauta que recebeu para cobrir uma convenção dos Hell’s Angels, o polêmico grupo de motoqueiros dos Estados Unidos. Ele excedeu o previsto e só retornou à redação seis meses depois com material suficiente para publicar o livro Hell’s Angels – medo e delírio sobre duas rodas (São Paulo: Conrad, 2004).

O autor de Medo e delírio em Las Vegas viveu intensamente os seus dias e suas contradições. Amante das armas, era a favor da paz. Consumidor de drogas e bebidas alcoólicas, optou pela vida no campo, nas montanhas de Aspen. Desordeiro, pretendeu ser o delegado de Aspen, para o que fez campanha e quase chegou lá. Hunter S. Thompson, após cuidar da construção de um imenso monumento a si e ao gonzo journalism – uma grande torre no formato de uma adaga com a empunhadura em forma de figa com um polegar de cada lado –, ele, no início de 2005, se matou com um tiro de rifle na cozinha da própria casa. Estaria doente e, mais uma vez insubmisso, não se deixou levar pela morte anunciada. Em agosto do mesmo ano, suas cinzas foram espargidas por um canhão colocado no alto do monumento que ele ajudara a construir num vale de Aspen.

O estilo gonzo de Hunter Thompson, adotado no Brasil, por exemplo, em alguns textos da revista Trip, está espalhado além das fronteiras do jornalismo. Há qualquer coisa de gonzo no documentário baiano Dom Pepê, de Sérgio Siqueira, assim como há a moda gonzo, que ocupou oito páginas da revista Homem Vogue da primavera de 2008. Se duvidar, o estilo gonzo pode ser encontrado até mesmo no Palácio do Planalto.


* Jornalista e produtor editorial. Ele é meio-gonzo
Os artigos assinados não representam necessáriamente a opinião do Sentinelas da Liberdade. São da inteira responsabilidade dos signatários. Sentinelas da Liberdade é uma tribuna livre, acessível a todos os interessados.