segunda-feira, 23 de novembro de 2009


Teleanálise
Sentinela - Malu Fontes*

Esperta que só ela, Ana Maria Braga resolveu inaugurar seus dentões novos num período em que os olhos da mídia inteira estavam voltados ora para a fumaça ainda em torno do vestido da aluna da Uniban, ora para a politização, a arrogância e as trapalhadas das autoridades em torno do blecaute que deixou metade do país no escuro. Inspirada, não se sabe, se nos mordedores estreados um dia desses pelo ator Stênio Garcia, ou, quem sabe, acompanhando o que pode ser uma tendência dentária eqüina, pela proporção da verticalidade dos dentes, o fato é que o rosto da apresentadora ficou estranhíssimo.

sábado, 21 de novembro de 2009

Pinceladas de emoções


Por Alexandre Gondim*

O artista plástico Octaviano Moniz, 45 anos, também conhecido como Tatau, é um expoente da arte contemporânea na Bahia. Há cerca de vinte anos teve sua fase mais fervorosa de produção artística. Define sua arte como abstrata expressionista e atualmente flerta com os meios de produção digitais. Leia na íntegra: www.sentinelasdaliberdade.com.br

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Os convidados para a festa dos 200 anos da Imprensa na Bahia

Sentinela - Luis Guilherme Pontes Tavares*

Criei a expectativa em quatro pesquisadores europeus de que eles serão convidados para falar em Salvador durante as comemorações do bicentenário da imprensa na Bahia. A data maior – 14 de maio – cairá num sábado, quiçá ensolarado e fresco. Nesse dia, em 1811, o empresário de origem portuguesa Manuel Antonio da Silva Serva estreou o seu Idade d'Ouro do Brazil, o primeiro jornal impresso na então província da Bahia. É, sem dúvida, o fato maior daqueles dias em que ele inaugurou a indústria gráfica privada no Brasil.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Nós que amávamos tanto a Revolução

Teleanálise

Sentinela - Malu Fontes*

No ano e no período em que o mundo e suas emissoras de TV comemoram ininterruptamente com programas especiais os 40 anos do Festival de Woodstock e os 20 anos da queda do Muro de Berlim, a televisão brasileira foi forçada a abrir amplo espaço em sua grade, no telejornalismo e fora dele, para falar de uma reação medieval. Sim, em meio às duas festas ancoradas na idéia de liberdade e expressão dos direitos individuais, à troca de balas entre navios norte e sul-coreanos, às imagens da marcha de Jesus no Rio com Madona e ao apagão causado em 18 estados, nas capitais mais ricas do país e no Paraguai pela primeira pane plena na Usina de Itaipu, o fato é que o vestido curto pink da estudante de turismo Geisy Arruda foi o tema mais abordado na TV e na imprensa brasileira nos últimos dias. L
eia na íntegra: www.sentinelasdaliberdade.com.br

domingo, 15 de novembro de 2009

Ricardo Primata está entre os 30 melhores guitarristas do Brasil


Sentinela - Vanessa Correia*


Publicado no site HMB (Heavy Metal Brasil) uma lista com os 30 melhores guitarristas do Brasil, entre eles: Andreas Kisser, Armandinho, Eduardo Ardanuy, Frank Solari, Gustavo Guerra, Juninho Afram, Kiko Loureiro, Mozart Melo, Ricardo Primata, Wander Taffo...

Ricardo Primata foi um dos nossos entrevistados no mês passado (16/10) no lançamento do CD autoral Espelho da Alma. Confira a entrevista do guitarrista abaixo:



*Vanessa Correia é da equipe do Sentinelas.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Ciência, Tecnologia e Sociedade

Uma histórica vocação reprimida (ou esquecida?) no povo brasileiro

Sentinela Frederik Santos*


Será que poderíamos selecionar os assuntos de maior interesse de uma sociedade através do espaço que seus meios de comunicação dão a determinados temas? Tal classificação refletiria o interesse social se tivéssemos veículos midiáticos realmente democráticos. Talvez a internet seja o espaço que mais se aproxime deste ideal, pois apesar de ser um espaço de controle, ainda não se tornou um espaço totalitário, e dificilmente um dia o será...

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Caetano Veloso “endireita” língua-pátria

Por Dr. Marcos Luna*

Ainda nos meados do século XX, um filósofo declarara que o homem se definia de acordo às suas circunstâncias (Ortega-Gasset). Muito embora fosse ainda naquele período,redarguido que o mesmo homem teria direito às suas contradições pessoais (Sartre). Mormente nos dias de hoje, com a simultaneidade dos fatos socioculturais e a plêiade de reformas políticas nos países em construção, as manifestações de cidadãos comuns e de eventuais celebridades, não provocam assombro merecedor de censura ministerial pública ou de um vaticínio papal sacralizador dos bons costumes.

Nada obstante, cabem aqui alguns breves reparos ao poeta-cantor Caetano Veloso, quando vocifera sua verve preconceituosa contra o presidente Lula. Não cuido – e nem me cabe – de defender o político-estadista em sua performance no poder; outrossim, contextualizar o viés sociopolítico de uma artista em sua costumeira diatribe com “personas” e protagonistas da cena cotidiana brasileira, ou não.

“Minha pátria é minha língua...”, caberia ipis literis na retórica lulista, uma frase que aquele mesmo cantor reconstruíra numa de suas canções. Disse reconstruíra, posto que o cantor baiano – como de outras vezes – retomara em Fernando Pessoa aquela passagem literária. Não há qualquer pecado na falta de originalidade, afinal, quem há de negar o princípio “lavoisier” construtivo nas vidas humanas e na natureza? O político Lula, por sua vez, carece de ineditismo na sua prosopopéia e eloquência popularesca, inspirada no dialeto das ruas e nas discordâncias verbais do “populacho”, compatibilizado com as suas origens.

O acadêmico em semiologia sabe que um líder-nato de uma nação, um jogador de futebol, um cantor estrela, detêm o seu carisma, o talento congênito para a linguagem gestual, na sua verbalidade, na coerência de suas atitudes e na vivência em sua comunidade. Não me deixo convencer pelo argumento que justificaria a verborragia deselegante do poeta, doutro modo, bem ao talante da elite branca paulistana separatista, mas que se coadunaria com a busca de uma notoriedade perante uma improvável reação do presidente Lula um homem-ignorante, segundo o Caetano. “Fala como sábio a um ignorante, e este te dirá que tens pouco bom senso” (Eurípides).

Atribuo ao Caetano Veloso uma postura política conservadora e crítico de costume sociais, onde a clareza do seu lado político se perde no eclipse de suas belas melodias... que o consumismo capitalista (re) coloca sempre numa perspectiva de efemeridade. O homem-político por sua vez é portador de uma complexidade existencial, ademais quando ele advém de extratos sociais baseados em carências – de todos os moldes – históricos num país ainda marcado pela absurda concentração de riqueza e desigualdade de oportunidade para a maioria “dos filhos teus” – “... que fala errado, é grosseiro como o Lula...”- como declamou Caetano ao jornal o Estado de São Paulo.

Há lugar para todos e para tudo neste país, que nestes tempos pós-crise financeira, começa a superar o complexo de inferioridade perante os hegemônicos ocidentais. Então me permita resgatar o escritor Nelson Rodrigues: “... o brasileiro, sua elite em particular, tem o complexo de vira-lata: o que é bom e melhor vem de fora do país. “Falemos como os anglo-saxônicos e franceses e admiremos as suas pátrias!” Em tempo, o que tem acontecido com os bolsistas especialistas e doutorandos brasileiros quando tem que falar a língua dos “homens brancos de olhos azuis no exterior”? Aprendem que a sua pátria esta presente na sua capacidade de se comunicar com inteireza e autenticidade. Esta postura digna somente se alcança quando você conserva as raízes da sua cultura.

Não poderia concluir este breve comentário sem recomendar ao aludido poeta, a releitura de Patativa do Assaré. Este também um nordestino, pobre, ignorante e autodidata. Formalmente um brasileiro semi-analfabeto e inculto, pois não cursou o nível superior de Educação. Um poeta popular cearense com a fala e a escrita claudicante no português-língua-pátria. Um típico sertanejo, homem do povo brasileiro, um poeta de reconhecimento mundial.

*Marcos Luna é médico pós-graduado na Harvard University e pela UFBA. Luna é colaborador do Sentinelas da Liberdade doutor.luna@gmail.com

Zina, O Herói

Teleanálise

Sentinela - Malu Fontes*

O programa Pânico, que sempre tripudiou da privacidade de quem quer que um dia tenha tido 15 minutos de fama, resolveu dar lição de moral à população, ao resto da mídia e às autoridades públicas. Bastou um dos seus integrantes ser preso com cocaína para o programa de humor escrachado ficar seríssimo e bater pé contra o resto do mundo que divulgou ou consumiu a informação. Ora, não foi o Pânico que infernizou a vida da atriz Carolina Dieckmann e sua família, escalando até mesmo um edifício para filmá-la da varanda? Somente o impedimento judicial interrompeu o assédio.

O mesmo programa perseguiu o falecido Clodovil quase lhe causando um acidente de carro, com o propósito de fazê-lo calçar as tais sandálias da humildade. Uma unidade móvel da RedeTV fazia ponto em frente ao apartamento de Clodovil e em uma das investidas, exibida na TV, o programa usou um comboio de carros, um trio elétrico e um helicóptero para perseguir o costureiro no trânsito de São Paulo, com direito a fechadas em seu carro, tudo a pretexto de ridicularizá-lo e humilhá-lo.

Murro – É também o Pânico que chega com suas câmeras e repórteres engraçadinhos nas praias badaladas do Brasil e até de outros países para ridicularizar o corpo das mulheres que não se encaixam no padrão Playboy. Não foi à toa que um dos integrantes da equipe levou um murro na cara, desferido por Victor Fasano e que o programa foi alvo de uma carta de repúdio de Wagner Moura, outra vítima da trupe, atingido na cabeça por um gel melequento, atirado pela equipe do programa, ao sair de uma cerimônia de premiação.

Mas como o corporativismo de qualquer integrante da raça que atende pelo nome de televisiva é sempre disforme, o mesmo Pânico que se acha no direito de tripudiar da privacidade de todo mundo subiu nas tamancas de raiva quando a imprensa noticiou que sua mais nova aquisição, um esquisitão que atende pelo nome de Zina, fora preso com cocaína.

Holifyield – É mérito não saber quem é o sujeito. Trata-se de um desses indivíduos inadjetiváveis que ficam famosos justamente pelo que não têm: cérebro. O tal foi contratado para ser freak porque gritou “Ronaldo’, de uma maneira tão abobalhada diante de uma câmera de TV que deixou claro que havia CID (Classificação Internacional de Doenças) para seu caso. Diante de qualquer grunhido, sílaba, palavra ou coisa pronunciada por Zina, os comentários de Reginaldo Holyfield na TV baiana tornam-se passíveis de decupagem e publicação em um livro que o consagrará à Academia Brasileira de Letras, onde obras piores com insetos no título já levaram péssimos autores a ganhar fardão de imortal.

Na primeira edição após a prisão de Zina, o Pânico deixou de lado o humor e passou infindáveis minutos atacando moralmente a imprensa, a TV, o diabo e o planeta por terem noticiado o fato. Sobrou lição de moral para todos os lados e quem duvidar do absurdo da coisa que vá resgatar a pérola no Youtube. A informação mais leve foi a de que ninguém poderia dizer um A do sujeito, pois 25% da população brasileira é igual a ele. Descerebrada e incapaz de dizer coisa com coisa? Não. Dependente química. Sim, o pânico acaba de revelar um assombro nacional: um quarto dos brasileiros é dependente químico.

A Polícia e o Ministério da Saúde tiveram sua incompetência ressaltada em entrevistas de populares e picaretas de plantão. Zina? Ora, foi descrito como uma criança, um ser puro com quem todos na equipe aprendem nobreza. Apresentadores foram às lágrimas diante da história trágica da condenação moral de um herói da TV.

Beatificação - Alguém vê reação semelhante quando esses meninos ferrados das periferias são assassinados acusados de tráfico? Quem já viu a RedeTV comprando uma briga dessa natureza diante dos mortos nos tiroteios com os quais a TV faz a trilha sonora de fundo do jantar dos brasileiros? Entretanto, um desorientado pago para ser bobo da corte, o mais freak entre os freaks numa atração de TV, é preso por droga, vira notícia e um país inteiro é acusado de omisso, irresponsável e algoz desse sujeito. Por que não aproveitam o embalo da piada e pedem logo ao Papa a beatificação de Luciana Gimenez, a outra estrela santa e intelectual da casa?

*Malu Fontes é jornalista, doutora em Comunicação e Cultura e professora da Facom-UFBA.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Faltou Michael na Pop Life

Sentinela - Luis Guilherme Pontes Tavares*

Havia, no início de outubro, anúncios nos jornais londrinos convidando para a exposição Pop Life na Tate Gallery. Fomos conferir. O ingresso custa 12 libras e meia. Mostra trabalhos do artista norte-americano Andy Warhol e daqueles que, como ele, adotam o princípio de que “uma boa arte é um bom negócio”. Abriu no dia 1º de outubro e permanecerá até janeiro do próximo ano. Ocupa metade do 4º andar da Tate. Foi ali que vimos, ela na frente, ele a seguindo, o casal Bruna Lombardi e Carlos Alberto Ricelli. O casal e a Pop Life combinavam bem!

Há três salas em que menores de 18 anos não podem entrar. São até bem comportadas apesar dos closes das partes íntimas da artista pornô italiana Cicciolina. Os quadros de Warhol pintados com pó de diamante e expostos sob luz especial tocaram-me muito mais pelo inusitado que são.

Senti falta de uma sala especial dedicada a Michael Jackson porque ele, apesar de cantor, fez de sua pele e do resto do corpo um objeto de intervenção artística de repercussão surpreendente. Afinal, o que mudou para Michael quando he changes himself de negro para branco?

O British Museum abriu em outubro mais uma mostra temporária, em que exibe, além dos objetos e documentos, a sua extraordinária habilidade museológica, promovendo o equilibrado balanço da estética com o didático. A visita ao monumental museu é livre, porém as mostras temporárias, não. Para ver Moctezuma: astec roler, o museu cobra 12 libras (adulto).

Moctezuma é patrocinada pela ArcelorMittal, empresa petrolífera inglesa que negocia com os mexicanos. Sendo assim, o México enviou para Londres o que possui de mais precioso no seu acervo histórico sobre o imperador asteca, bem como sobre o colonizador espanhol Hernán Cortez, com quem Montezuma (aqui com n, como grafamos em português) tentou negociar, porém saiu derrotado e morto.

A extraordinária exposição ocupa o espaço que outrora era o grande salão de leitura da British Library, instituição que ganhou sede nova há alguns anos. Moctezuma, além de mostrar grandes esculturas pré-colombianas que adornavam a cidade de Tenochititlan, exibe também a iconografia espanhola sobre o período (séculos XV e XVI).

O British Museum trata o tema com elegância e bom gosto, porém é quase certo que a Espanha, por causa da esperteza rude e da violência de Cortez, volte a figurar na história como um dos colonizadores mais cruéis. Quiçá, na falta de outra justificativa, tudo seja culpa do ar salitroso do Mediterrâneo.

Londres, meus amigos, é cultura, entretenimento, muito verde e boa comida.
Venham para cá vocês também!

* Luís Guilherme Pontes Tavares é Jornalista, produtor editorial e professor universitário. Este texto foi escrito em 11 de outubro, no trajeto Londres-Paris feito no Eurostar que partiu da capital inglesa às 9h45. Teria sido publicado aqui desde 23 de outubro, quando o autor o remeteu da cidade do Porto, porém não foi possível abrir o arquivo. Enfim, eis, redigitado, o segundo texto que Luis Guilherme escreveu durante a recente viagem à Europa.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Lenine e a psicanálise freudiana


Letra da música Olho de Peixe é objeto de análise

Estréia: À Flor da Pele por Denise Lima*

Não assumo posição de que a psicanálise possa interpretar tudo, em especial a arte, em qualquer de suas manifestações ou linguagens.


Cabe, portanto, uma advertência: não se trata de recorrer à psicanálise para interpretar objetos que são estudados em outros campos do conhecimento. Trata-se, sim, de trazer à luz, a partir da teoria psicanalítica, novas questões que se propõem em forma de diálogo, que pode resultar em grande proveito para tais campos de conhecimento, numa perspectiva inter ou multidisciplinar - característica do pensamento complexo.


Não se trata, também, de justapor interpretações para melhor compreender um determinado objeto, mas de estabelecer uma relação entre elas, mantendo suas próprias identidades, construídas ao longo da história do campo a que pertencem, respeitando-se as características de irredutibilidade de cada uma, ainda que – diante do objeto complexo[1] – possa haver uma fusão (indefinição) em suas fronteiras. Esta relação - que inclui, também, a contestação, que caracteriza o diálogo – pode levar a novas interpretações e construções do objeto, como também, eventualmente, a transformá-lo.

Dito isto, vamos tentar um diálogo entre a visão psicanalítica freudiana e a letra de Lenine, em sua música Olho de Peixe. (Apenas para não deixar passar esta ocasião para lembrar uma questão, exaustivamente debatida: letra de música pode ser poesia? Dizia Wally Salomão que sim, o que provocou muita polêmica. Deixando à parte, poesia ou não, podemos pensar que qualquer produção humana deve ser levada em consideração).

No que a psicanálise pode contribuir para elucidar sentidos nesta letra de música, a partir das contribuições desta para dar-nos pistas para a compreensão do psiquismo humano?

Redoma de vidro é o que, primeiramente, chama atenção. Redoma dá uma idéia do campo defensivo do sujeito, que nada sabe sobre si mesmo e se protege por meio de uma ficção (ou racionalização), que pouco corresponde à sua própria verdade. Pode representar as defesas – inclusive a repressão (ou recalque) - do Eu, parte consciente, grande parte inconsciente.

Apesar de o Eu ser um lugar da ilusão e da mentira, ainda assim, não podemos perder de vista que é com o esse eu que pensamos, raciocinamos, refletimos, tomamos decisões, construímos e fazemos escolhas éticas. Sem falar no poder que temos, consciente e determinado, de superar nossas próprias dificuldades.

Redoma de vidro é uma expressão bonita e significativa: a defesa, a proteção, podem ser quebradas. É o que acontece com o retorno do reprimido (ou recalcado), em forma de sintomas, sonhos, atos falhos, chistes – que são manifestações do inconsciente.
Pulo para “a mente é como um baú e o homem decide o que nele guardar”.

Não decide. Não há escolha sobre o que guardar ou não, assim como não há escolha da orientação sexual. Lembremos Monod, em Acaso e necessidade, quando diz que o homem tenta, desesperadamente, negar a contingência!

Se o homem decide o que guardar em seu baú, talvez isso se refira às lembranças conscientes que ficam preservadas, as quais fazem parte da ficção que faz sobre si mesmo. Sem esquecer que as lembranças são sempre encobridoras, dizia-nos Freud. Fala Lenine: “ele se permite esquecer de lembrar”. É isso mesmo: por que se permite – inconscientemente – esquecer de lembrar, repete. Repete situações, padrões, amores, para não se lembrar. A possibilidade de ruptura dessa cadeia – tratada em Recordar, repetir e elaborar, texto de Freud de 1914 – inaugura a capacidade de invenção, de novas construções.

Dou um pulo: “na cabeça do homem tem um porão, onde moram o instinto e a repressão”. Porão é a parte de baixo. É o que vem primeiro, e, de certa forma, o que sustenta a construção do edifício. Interessante metáfora usada por Lenine! Pois o que vem primeiro, de certa forma, são as pulsões (instintos) de vida (pulsões do Eu – autoconservação - e sexuais – preservação da espécie) e de morte – destrutividade humana. Lá, no porão, não mora a repressão, mas esta é a condição de possibilidade do porão, onde moram os instintos. Repressão dos instintos (pulsões) para que a civilização seja possível (Freud, Norbert Elias etc.).

A pergunta insistente de Lenine: o que tem no sótão? O sótão é a parte superior do edifício – para usar a metáfora espacial - onde se guardam coisas, muitas vezes esquecidas e sem uso. Se guardadas é porque possuem uma potencialidade (no sentido dado por Nietzsche), ainda que encobridoras. Mas já é uma pista que Sherlock Holmes não desprezaria.

Arrisco dizer que o sótão pode ser uma metáfora para representar o instinto (pulsão) não reprimido, mas sublimado, um dos destinos possíveis das pulsões. Ou seja, a capacidade humana de não se render às pulsões (tanto as sexuais, de vida, quanto às de morte), que torna possível, ainda que tenha que se valer delas, a produção de uma música como esta de Lenine.
Grande idéia esta de provocar convergências entre a psicanálise e a letra desta música! Espero ter demonstrado, neste curto artigo, a possibilidade de diálogo que propus fazer, de modo incipiente.

Perdoem-me as frases que não comentei, talvez mais importantes do que as que selecionei. Outras abordagens farão isso, espero. “O capuz negro que cega o falcão selvagem”, por exemplo. Forte essa frase. Dá-nos o que pensar! O capuz negro, tarja preta. Podemos relacioná-lo tanto à censura quanto ao luto. Também ao anonimato. A censura, o luto e anonimato têm algo em comum: algo que se perde.

Talvez possamos remetê-lo (capuz negro) a um dos conceitos fundamentais da psicanálise: a defesa que usamos, totalmente inconsciente, com o fim de não enxergarmos o falcão selvagem que existe em todos nós. Se o falcão selvagem deve ser “domado” para que exista Cultura, parte deste selvagem, no que se refere à pulsão de morte, pode significar uma boa defesa! Se dirigida à pulsão de vida, esse falcão selvagem deve ser a força criadora, inventiva, persistente, louca, aquela que promove a Arte, a Ciência e a Filosofia.

Mais uma coisa a se pensar: a pulsão de vida e a de morte funcionam acopladas...

[1] Objeto complexo diz respeito à Teoria da complexidade (Morin, Prigogine) que está sendo adotada como novo paradigma epistemológico para a delimitação do campo da ciência.

*Denise Maria de Oliveira Lima é Psicanalista, Graduação em Ciências Jurídicas e Sociais e em Psicologia; Mestre em Comunicação e Cultura Contemporâneas e Doutora em Ciências Sociais (UFBA). Professora da Faculdade Social da Bahia, onde leciona Psicanálise I e II. E é colunista do Sentinelas da Liberdade.

Notícias do Inferno

Teleanálise
Sentinela - Malu Fontes*
No rastro deixado pela onda de violência extrema que varre a zona norte do Rio de Janeiro, nunca a televisão abordou tanto um tema que hoje é dos mais assustadores da realidade brasileira: o tráfico de drogas. Incluiu-se no agendamento os tentáculos e os fenômenos satélites do tráfico, como o comércio internacional de armas, a contribuição militar nas fronteiras, a corrupção policial em torno do fenômeno e, como não poderia deixar de ser, o ponto nevrálgico do assunto: o consumidor.

Como a imprensa brasileira não é muito dada a abordar sem pudor o consumo social e esporádico de drogas pesadas, como a cocaína, até porque esse universo, muitas vezes, está literalmente embaixo do seu próprio nariz, nada mais apropriado e chocante que trazer à tona o que todo mundo já sabia mas nunca se tinha dito com tamanha clareza: a virulência com que o crack já se alastrou pelas mais diversas classes sociais no país, escapulindo das fronteiras da dependência e tornando-se um dos mais inabordáveis desafios para as famílias, as políticas de assistência à saúde e a segurança pública.

CELA - Para ilustrar à perfeição o tumor intratável em que o consumo do crack se tornou nos últimos 10 anos, um rapaz de 26 anos, sob o efeito da droga, assassinou no final de semana a namorada na zona sul do Rio, pelo simples fato de esta tentar demovê-lo do vício. E haja notícias produzidas diretamente do inferno das cracolândias domésticas país afora. Viu-se nos telejornais uma mãe em Aracaju que entregou os filhos de 10 e 14 anos ao Ministério Público por não mais saber o que fazer com ambos, dependentes. Em Pelotas (RS), uma família construiu dentro de casa uma cela para o filho descontrolado, com o afeto e o humor desmodulados a ponto de representar risco para toda a família e quem mais dele se aproxime.

Já que ninguém além dos traficantes genéricos é diretamente responsabilizado pelo tráfico e o único usuário abordável sem tabus é o dependente químico já no grau máximo (jamais se condena os bacanas que usam de ‘um tudo’), a batata quente teria que ser atirada na mão de algum órgão burocrático ou seu representante. A escolha se deu: em todos os telejornais, em dois tempos, o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, e o coordenador do Ministério da Área de Saúde Mental, Pedro Gabriel Delgado, passaram a semana virando-se nos trinta para explicar porque a pasta não tem estratégias e protocolos específicos para atender à demanda das famílias que têm em casa dependentes de crack que lhes ameaçam e à sociedade.

TÊNIS - Os críticos das políticas públicas de saúde mental passaram a semana acusando na TV o Ministério da Saúde de amaldiçoar a psiquiatria, a medicalização, a internação e de atirar à família a responsabilidade total por todo e qualquer transtorno de comportamento do usuário sistêmico de drogas. O Jornal Nacional abordou com destaque a proibição da internação involuntária dos dependentes químicos. Ou seja, se a internação se der sem o desejo do próprio dependente de crack, por exemplo, tem-se não uma internação, mas um indivíduo submetido a cárcere privado, o que é crime, passível de punição à família.

Santa hipocrisia nacional. A proibição da internação involuntária só atende mesmo à omissão da rede pública, incapaz que é de enfrentar o fato de que a população brasileira está atolada em índices dantescos de dependência de drogas. Somente as famílias privilegiadas e que infringem clandestinamente o voluntarismo do tratamento podem recorrer a sistemas privados de tratamento, sempre muito caros, pela complexidade e multidisciplinaridade do processo. Enquanto isso, os ricos entorpecidos de crack matam seus entes queridos em seus ambientes domésticos e os pobres saem insanos pelas ruas matando por um tênis e um casaco que logo adiante serão roubados por policiais corruptos que não querem nem saber quem pariu Mateus, muito menos quem o matou.

*Malu Fontes é jornalista, doutora em Comunicação e Cultura e professora da Facom-UFBA.
maluzes@gmail.com
Os artigos assinados não representam necessáriamente a opinião do Sentinelas da Liberdade. São da inteira responsabilidade dos signatários. Sentinelas da Liberdade é uma tribuna livre, acessível a todos os interessados.