terça-feira, 10 de novembro de 2009

Caetano Veloso “endireita” língua-pátria

Por Dr. Marcos Luna*

Ainda nos meados do século XX, um filósofo declarara que o homem se definia de acordo às suas circunstâncias (Ortega-Gasset). Muito embora fosse ainda naquele período,redarguido que o mesmo homem teria direito às suas contradições pessoais (Sartre). Mormente nos dias de hoje, com a simultaneidade dos fatos socioculturais e a plêiade de reformas políticas nos países em construção, as manifestações de cidadãos comuns e de eventuais celebridades, não provocam assombro merecedor de censura ministerial pública ou de um vaticínio papal sacralizador dos bons costumes.

Nada obstante, cabem aqui alguns breves reparos ao poeta-cantor Caetano Veloso, quando vocifera sua verve preconceituosa contra o presidente Lula. Não cuido – e nem me cabe – de defender o político-estadista em sua performance no poder; outrossim, contextualizar o viés sociopolítico de uma artista em sua costumeira diatribe com “personas” e protagonistas da cena cotidiana brasileira, ou não.

“Minha pátria é minha língua...”, caberia ipis literis na retórica lulista, uma frase que aquele mesmo cantor reconstruíra numa de suas canções. Disse reconstruíra, posto que o cantor baiano – como de outras vezes – retomara em Fernando Pessoa aquela passagem literária. Não há qualquer pecado na falta de originalidade, afinal, quem há de negar o princípio “lavoisier” construtivo nas vidas humanas e na natureza? O político Lula, por sua vez, carece de ineditismo na sua prosopopéia e eloquência popularesca, inspirada no dialeto das ruas e nas discordâncias verbais do “populacho”, compatibilizado com as suas origens.

O acadêmico em semiologia sabe que um líder-nato de uma nação, um jogador de futebol, um cantor estrela, detêm o seu carisma, o talento congênito para a linguagem gestual, na sua verbalidade, na coerência de suas atitudes e na vivência em sua comunidade. Não me deixo convencer pelo argumento que justificaria a verborragia deselegante do poeta, doutro modo, bem ao talante da elite branca paulistana separatista, mas que se coadunaria com a busca de uma notoriedade perante uma improvável reação do presidente Lula um homem-ignorante, segundo o Caetano. “Fala como sábio a um ignorante, e este te dirá que tens pouco bom senso” (Eurípides).

Atribuo ao Caetano Veloso uma postura política conservadora e crítico de costume sociais, onde a clareza do seu lado político se perde no eclipse de suas belas melodias... que o consumismo capitalista (re) coloca sempre numa perspectiva de efemeridade. O homem-político por sua vez é portador de uma complexidade existencial, ademais quando ele advém de extratos sociais baseados em carências – de todos os moldes – históricos num país ainda marcado pela absurda concentração de riqueza e desigualdade de oportunidade para a maioria “dos filhos teus” – “... que fala errado, é grosseiro como o Lula...”- como declamou Caetano ao jornal o Estado de São Paulo.

Há lugar para todos e para tudo neste país, que nestes tempos pós-crise financeira, começa a superar o complexo de inferioridade perante os hegemônicos ocidentais. Então me permita resgatar o escritor Nelson Rodrigues: “... o brasileiro, sua elite em particular, tem o complexo de vira-lata: o que é bom e melhor vem de fora do país. “Falemos como os anglo-saxônicos e franceses e admiremos as suas pátrias!” Em tempo, o que tem acontecido com os bolsistas especialistas e doutorandos brasileiros quando tem que falar a língua dos “homens brancos de olhos azuis no exterior”? Aprendem que a sua pátria esta presente na sua capacidade de se comunicar com inteireza e autenticidade. Esta postura digna somente se alcança quando você conserva as raízes da sua cultura.

Não poderia concluir este breve comentário sem recomendar ao aludido poeta, a releitura de Patativa do Assaré. Este também um nordestino, pobre, ignorante e autodidata. Formalmente um brasileiro semi-analfabeto e inculto, pois não cursou o nível superior de Educação. Um poeta popular cearense com a fala e a escrita claudicante no português-língua-pátria. Um típico sertanejo, homem do povo brasileiro, um poeta de reconhecimento mundial.

*Marcos Luna é médico pós-graduado na Harvard University e pela UFBA. Luna é colaborador do Sentinelas da Liberdade doutor.luna@gmail.com

Zina, O Herói

Teleanálise

Sentinela - Malu Fontes*

O programa Pânico, que sempre tripudiou da privacidade de quem quer que um dia tenha tido 15 minutos de fama, resolveu dar lição de moral à população, ao resto da mídia e às autoridades públicas. Bastou um dos seus integrantes ser preso com cocaína para o programa de humor escrachado ficar seríssimo e bater pé contra o resto do mundo que divulgou ou consumiu a informação. Ora, não foi o Pânico que infernizou a vida da atriz Carolina Dieckmann e sua família, escalando até mesmo um edifício para filmá-la da varanda? Somente o impedimento judicial interrompeu o assédio.

O mesmo programa perseguiu o falecido Clodovil quase lhe causando um acidente de carro, com o propósito de fazê-lo calçar as tais sandálias da humildade. Uma unidade móvel da RedeTV fazia ponto em frente ao apartamento de Clodovil e em uma das investidas, exibida na TV, o programa usou um comboio de carros, um trio elétrico e um helicóptero para perseguir o costureiro no trânsito de São Paulo, com direito a fechadas em seu carro, tudo a pretexto de ridicularizá-lo e humilhá-lo.

Murro – É também o Pânico que chega com suas câmeras e repórteres engraçadinhos nas praias badaladas do Brasil e até de outros países para ridicularizar o corpo das mulheres que não se encaixam no padrão Playboy. Não foi à toa que um dos integrantes da equipe levou um murro na cara, desferido por Victor Fasano e que o programa foi alvo de uma carta de repúdio de Wagner Moura, outra vítima da trupe, atingido na cabeça por um gel melequento, atirado pela equipe do programa, ao sair de uma cerimônia de premiação.

Mas como o corporativismo de qualquer integrante da raça que atende pelo nome de televisiva é sempre disforme, o mesmo Pânico que se acha no direito de tripudiar da privacidade de todo mundo subiu nas tamancas de raiva quando a imprensa noticiou que sua mais nova aquisição, um esquisitão que atende pelo nome de Zina, fora preso com cocaína.

Holifyield – É mérito não saber quem é o sujeito. Trata-se de um desses indivíduos inadjetiváveis que ficam famosos justamente pelo que não têm: cérebro. O tal foi contratado para ser freak porque gritou “Ronaldo’, de uma maneira tão abobalhada diante de uma câmera de TV que deixou claro que havia CID (Classificação Internacional de Doenças) para seu caso. Diante de qualquer grunhido, sílaba, palavra ou coisa pronunciada por Zina, os comentários de Reginaldo Holyfield na TV baiana tornam-se passíveis de decupagem e publicação em um livro que o consagrará à Academia Brasileira de Letras, onde obras piores com insetos no título já levaram péssimos autores a ganhar fardão de imortal.

Na primeira edição após a prisão de Zina, o Pânico deixou de lado o humor e passou infindáveis minutos atacando moralmente a imprensa, a TV, o diabo e o planeta por terem noticiado o fato. Sobrou lição de moral para todos os lados e quem duvidar do absurdo da coisa que vá resgatar a pérola no Youtube. A informação mais leve foi a de que ninguém poderia dizer um A do sujeito, pois 25% da população brasileira é igual a ele. Descerebrada e incapaz de dizer coisa com coisa? Não. Dependente química. Sim, o pânico acaba de revelar um assombro nacional: um quarto dos brasileiros é dependente químico.

A Polícia e o Ministério da Saúde tiveram sua incompetência ressaltada em entrevistas de populares e picaretas de plantão. Zina? Ora, foi descrito como uma criança, um ser puro com quem todos na equipe aprendem nobreza. Apresentadores foram às lágrimas diante da história trágica da condenação moral de um herói da TV.

Beatificação - Alguém vê reação semelhante quando esses meninos ferrados das periferias são assassinados acusados de tráfico? Quem já viu a RedeTV comprando uma briga dessa natureza diante dos mortos nos tiroteios com os quais a TV faz a trilha sonora de fundo do jantar dos brasileiros? Entretanto, um desorientado pago para ser bobo da corte, o mais freak entre os freaks numa atração de TV, é preso por droga, vira notícia e um país inteiro é acusado de omisso, irresponsável e algoz desse sujeito. Por que não aproveitam o embalo da piada e pedem logo ao Papa a beatificação de Luciana Gimenez, a outra estrela santa e intelectual da casa?

*Malu Fontes é jornalista, doutora em Comunicação e Cultura e professora da Facom-UFBA.
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