terça-feira, 26 de junho de 2012

Comentário objETHOS: Um WikiLeaks para a mídia, um livro acende a luz




Pesquisador do objETHOS e professor na UFSC

WikiMediaLeaks. O livro de Martín Becerra e Sebastián Lacunza preenche um espaço que a mídia – e o próprio jornalismo investigativo – , pelos vínculos e limites das empresas com anunciantes, fontes, acionistas, governos e poderes políticos e econômicos, limita em relação à autonomia profissional. Ou, então, não permite liberdade de aprofundamento.

Um WikiLeaks para a mídia, é assim que se pode resumir a transparência proposta pela obra dos dois autores argentinos, publicada agora em 2012 em Buenos Aires pela editora Ediciones B, com 295 páginas. O livro, com o subtítulo de “La relación entre medios e gobiernos de América Latina bajo el prisma de los cables de WikiLeaks”, expõe o interesse público obscurecido por parte da grande mídia, que teria fartas pautas a partir dos 250 mil informações trocadas entre o Departamento de Estado norte-americano e suas embaixadas em todo o planeta. Dentre elas, estão 32 mil informes diplomáticos originados em cidades latino-americanas , especialmente no período de 2004 a 2009.

A relação entre embaixadas e jornalistas; entre embaixadas e governos; entre governos e jornalistas ficam mais transparentes e ajudam a entender que a liberdade de imprensa, uma “cláusula pétrea” defendida pelos empresários da área, pode se desmanchar rapidamente como um gelo, que não resiste ao caloroso assédio das influências particulares. Mas o livro também mostra que, apesar de empresas reagirem contra governos que não se rendem a suas ameaças ou negócios privados, também as embaixadas , em várias ocasiões, como no caso argentino, implicitamente deram razão aos governos…e não à mídia.

Um fator chama especialmente a atenção. Na era dos conglomerados midiáticos, da convergência tecnológica, do jornalismo virtual, das redes sociais e do jornalismo “colaborativo”, a organização capitaneada por Julian Assange preferiu, no primeiro momento, liberar as informações para cinco grandes referências do jornalismo impresso, apesar das edições on line: os jornais
The Guardian, do Reino Unido; El País, da Espanha; The New York Times, dos Estados Unidos; Le Monde, da França; e a revista Der Spiegel, da Alemanha. São periódicos alinhados com uma perspectiva liberal ou centro-esquerda moderada, conforme reafirmam os autores.

Mas também tal perspectiva, que de um lado parece atestar que o vazamento de informações por si só não é jornalismo, disposto por uma entidade ou indivíduo, por outro continua dando relevância aos critérios jornalísticos de reconhecimento da relevância de acontecimentos e de sua apuração e verificação e posterior narração. Por isso, cinco emblemas do jornalismo tradicional, com seu poder de credibilidade, de convencimento e de repercussão foram escolhidos. Ou seja, parece que ainda o velho jornalismo – quando bom jornalismo -, como referência comum que suscita comentários e os reparte em escala ampliada, baseado na legitimidade social que adquiriu, continua valendo para o exercício da profissão e como esperança de que grandes temas de interesse público continuem na agenda social cotidiana.

O livro de Becerra, professor e pesquisador na Universidade Nacional de Quilmes e na Universidade de Buenos Aires; e de Lacunza, jornalista no Ámbito Financiero da capital portenha, ajuda sobremaneira a acender a luz que veículos jornalísticos brasileiros reclamam. E também a entender porque as luzes se apagam muitas vezes quando diversos interesses midiáticos estão em jogo, trazendo um painel sobre dez países latino-americanos, entre eles o México, a Argentina, a Venezuela e o Brasil.

A vassoura-de-bruxa e os coronéis da Bahia



GANDU, BAHIA
ENTREVISTA
DILSON ARAÚJO, 49 anos, autor do documentário O NÓ, ato humano deliberado. Dilson atua na área de pesquisa de História regional cacaueira. É servidor público estadual e designer.
Participação do produtor rural Dorcas Guimarães.

Antonio Nelson - Quais as motivações em tratar do assunto? Quando será a exibição em Salvador?
Dilson Araújo - Ao iniciar a pesquisa, percebi que o tema sempre esteve rodeado de mitos e especulações de toda a natureza e que o imaginário popular é habitado por uma versão bem diferente daquela registrada nos documentos oficiais. Daí a necessidade de promover o registro histórico do fato, que é o objetivo principal do documentário.
Em Salvador o filme será exibido durante o Salão do Chocolate, que acontece no início de julho (de 06 a 08 de julho) no Centro de Convenções da Bahia.
A.N - Está comprovado que a vassoura-de-bruxa na região cacaueira, no sul da Bahia, foi um ato criminoso? Quais as conseqüências?
D.A – Sim, realmente foi um ato criminoso, devidamente apurado no inquérito policial 2-169/2006, conduzido pela Polícia Federal, que no seu relatório final conclui que a doença não foi somente introduzida, mas também foi disseminada através da ação humana. Um fato que reafirma a conclusão da Polícia Federal é a constatação de ramos infectados com a doença amarrados criminosamente a cacaueiros em diversos pontos da região, ocorrência registrada em diversos documentos, inclusive alguns da CEPLAC. 
Esse ato estúpido e covarde reduziu a produção de cacau em mais de 80%, quebrou a economia de quase cem municípios e desempregou 250.000 trabalhadores. As conseqüências dessa catástrofe repercutem desde 1989, sem que o Estado brasileiro adote providencias eficazes para minimizar os danos.
A.N – Quem são os responsáveis?
D.A – Em 2006 o administrador de empresas Luiz Henrique Franco Timóteo assumiu a autoria do crime e apontou como co-autores alguns servidores da CEPLAC. A denúncia foi publicada na revista Veja (jun de 2006) e a apuração feita pela Polícia Federal, apesar de encontrar a materialidade do crime, não aponta culpados e não indicia ninguém. Na mesma época também foi instaurada pelo Ministério da Agricultura uma sindicância administrativa. Este procedimento, além de encontrar a materialidade da infração administrativa, ainda aponta indícios de participação de servidores da CEPLAC e pede a abertura de processo administrativo. Em 2011 o procedimento foi arquivado e não existem notícias sobre a abertura do processo administrativo.
A.N – Quais perdas para o homem do campo teve?
D.A – Os danos são incalculáveis e muitos irreparáveis. Os maiores prejudicados foram os pequenos e miniprodutores, que representavam mais de 90% do setor, além dos trabalhadores rurais que foram expulsos do campo, perderam suas moradias e foram jogados nas periferias das cidades da região, onde a possibilidade de inserção no mercado de trabalho era remota. Isso ocasionou uma desagregação social de grandes proporções, aumentando a criminalidade, a prostituição e a exclusão social. Não é a toa que Itabuna, hoje, é uma das cidades mais violentas do Brasil.
Por outro lado, além dos danos sociais e econômicos, há de se levar em consideração os danos ambientais, pois com as propriedades inviabilizadas, o produtor de cacau, em estado de necessidade, foi obrigado a derrubar árvores da mata atlântica para suprir suas necessidades básicas como alimentação, vestuário e saúde. Assim ocorreu a “pecuarização” de grandes áreas de cacau-cabruca e a exposição das nascentes.
A.N - Qual o pronunciamento da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (CEPLAC)?
D.A – Através de diversos documentos a CEPLAC reconhece que a introdução da doença ocorreu através da ação humana. Além disso, também reconhece através de notas técnicas o fracasso do Programa de Recuperação da Lavoura que por ela foi formulado.
É bom registrar que após a descoberta dos primeiros focos da doença em 1989, nos municípios de Camacan e Uruçuca, não houve nenhuma ação significativa para combater a doença e isso era um dever constitucional do Estado. Apenas em 1995 é que o Governo brasileiro, através da CEPLAC, oferece ao produtor o Programa de Recuperação e os induz a contrair financiamentos para recuperar as suas plantações. Ocorre que a tecnologia imposta pela CEPLAC não gerou os resultados anunciados e terminou potencializando a crise trazida pela vassoura-de-bruxa.
A.N – Você é produtor rural de Ibirataia, onde tem uma fazenda de cacau. Quais os principais prejuízos materiais e morais causados pelo fato?
Dorcas Guimarães - A queda de produção foi o maior prejuízo e desencadeou uma série de outros prejuízos. A inadimplência trazida com a queda da receita nos forçou a liquidar parte do patrimônio e ainda tivemos nossos nomes inscritos em cadastros como o SPC e SERASA. Contudo, a dor de não poder suprir as necessidades da nossa família, especialmente dos nossos filhos, nos trouxe sérios prejuízos de ordem psicológica.
A.N – Você também era conhecido com coronel do cacau?
D.G -  Acredito que não, pois sempre fui enquadrado como médio produtor e essa história de “coronel” fica bem nos romances de Jorge Amado, pois na realidade mais de 90% dos cacauicultores eram pequenos e miniprodutores.
A.N. Quais são as suas expectativas?
D.G. A tecnologia para convivência com a doença já existe e isso é animador. Penso que o grande gargalo é a descapitalização do produtor, decorrente da introdução da doença e do fracasso do Programa de Recuperação. Assim, espero que o Governo Federal faça valer o bom-senso e busque reparar uma situação que foi causada pela ausência do próprio Estado.
A.N. – Quantos anos de produtor rural? Você tem medo do futuro?
Tenho 54 anos e sou cacauicultor desde os 17 anos de idade, quando herdei do meu pai uma propriedade em Ibirataia.
As incertezas quanto ao futuro são muitas, principalmente diante da postura adotada pelo Governo brasileiro, que tenta tapar o sol com a peneira, escondendo um ato de terrorismo biológico que foi praticado contra uma população civil e que expôs essas pessoas a um sofrimento cruel e desumano.
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