domingo, 11 de dezembro de 2011

Ambição é fazer a Rabeca chorar

Foto: Raphael Pontual

"O povo brasileiro possui uma das mais ricas culturas musicais do mundo. Infelizmente, a maioria desconhece essa cultura. A grande mídia impõe o que a maioria da população escuta”.


Sentinela - Antonio Nelson

Ele é discípulo de Mestre Salustiano. Com apenas dois meses de aula com Mestre Salu já tocava na Rabeca diversos gêneros musicais da cultura pernambucana. Seu desafio inédito! Tocar chorinho na Rabeca. Cláudio Rabeca - compositor, cantor, produtor do CD Rabequeiros de Pernambuco e do DVD Cavalo Marinho Estela de Ouro, líder do Quarteto Olinda, carrega no íntimo a constante ambição de fazer a Rabeca chorar. Para tirar lágrimas da Rabeca, Cláudio Rabeca se debruça com profundidade no estudo histórico do Chorinho.
Recentemente Cláudio Rabeca desembarcou no Brasil, após uma turnê na Bélgica, em nove cidades (Quarteto Olinda em Sintiniklaas). Tocou com a Conquista de Olinda e Dona Cila do Coco. Foram cinco shows inéditos em distintas cidades do país europeu.
Num diálogo intermitente, através do ciberespaço Salvador/Recife – Salvador/Bélgica, Cláudio Rabeca partilhou comigo com exclusividade sobre sua trajetória musical!

Desde 2002, Cláudio Rabeca migrou para a capital pernambucana. A paixão pelo multiculturalismo do Leão do Norte lhe impulsionou a construir laços afetivos sólidos com diversos artesãos da melodia nordestina, em especial da cidade do Recife. Para ele, a consolidação do mercado e a residência da irmã na capital pernambucana facilitaram as coisas. Potiguar de nascimento, mas cidadão recifense, após se deleitar no som banda Mestre Ambrósio, Cláudio Rabeca declara ter a banda como influência decisiva para aprender os primeiros tons com Mestre Salu. Para Cláudio Rabeca, Chico Science, Nação Zumbi, Fred 04, Silvério Pessoa, Otton, Lenine e Lula Queiroga são ícones preciosos que pertencem ao caldo cultural de Pernambuco. Mas quando a questão são artistas locais “contemporâneos”, onde a criatividade é previsível para muitos, Cláudio Rabeca revela nomes desconhecidos pelo público brasileiro e grande mídia. A resposta vêem na ponta-da-língua: Caçapa, Alexandra Leão, Silvério Pessoa, Pouca Chinfra, Siba, Orquestra Contemporânea de Olinda, “Banda Eddie”, Issar e, Academia da Berlinda.
Com cordas de pescar, aos 14 anos, Cláudio Rabeca pegou o violão do pai e começou a tocar Heavy Metal de ouvido. Gêneros diversificados não faltam: Beatles, Clássico, Forró da década de 1950 e 60, principalmente Ary Lobo, Jackson do Pandeiro e Gonzagão já passaram por seus acordes. Cláudio Rabeca é um ser humano multifacetado. Já foi Head Banger. Teve cabelo grande, usou roupas pretas! Começou a ouvir Heavy Metal em 1989. Iron Maiden, Metallica, Slayer; e bandas brasileiras... Para acalmar a mente, confessa, ainda escuta CDs de Metal, principalmente Daeth Metal melódico como Bolt Thower e Paradise Lost. Mas vai mais além, gosta muito de Ross Daly, da Grécia. Ross Daly faz música Modal, com influencias das culturas Árabes, e do norte da África e Europa. Ali Farka e Fela Kuti são seus artistas africanos preferidos. No Leste europeu, aprecia e teve um contato com o Klesmer. Que são Judeus. E tocam com vários instrumentos, predominantemente com Clarinete, Violino e Acordeon. Pois, Cláudio Rabeca se identifica bastante com Klesmer.

Em 2004 pisou no chão com o CD do II Festival Syngenta de Música Instrumental de Viola. Gravou o DVD Cavalo Marinho Estrela de Ouro, em 2005. No mesmo ano recebeu convite para fazer parte do Quarteto Olinda, onde fizeram temporada de Forró no Bar Pitombeira. O Quarteto Olinda ascendeu significativamente na metrópole.

A partir de 2009, Cláudio Rabeca grava seu primeiro CD, Luz do Baião, um disco com arranjos fortes e identidade marcante. Simultaneamente, com o Quarto Olinda, confecciona o CD sob o título do nome da banda. Em 2011, Cláudio Rabeca produziu o CD Rabequeiros de Pernambuco.
Rio de Janeiro, São Paulo, Goiás e Minas Gerais estão na agenda de dezembro do Quarteto Olinda, onde divulgará seu disco solo Luz do Baião. A turnê nacional tem as participações especiais de Nicolas Krassik, Cacai Nunes, Pereira da Viola e Ivan Vilela.
Ao recordar das dificuldades iniciais, a labuta para se profissionalizar tecnicamente, seja como músico ou produto, são registros na memória que lhe serviram de aprendizado, além das questões burocráticas que envolvem negociações, desde gravações as produções de shows. Como fonte de inspiração! “Minha vida e memórias”,confessa. Questionado se é imprescindível a disciplina de música nas escolas, sem hesitar, assevera: “O povo Brasileiro possue uma das mais ricas culturas musicais do mundo, e infelizmente, a maioria desconhece essa cultura, a grande mídia impõe o que a maioria da população escuta. Precisamos educar nossos jovens, não apenas para tocar instrumentos e serem músicos, mas mostrá-los nossa cultura e suas possibilidades. Podemos ajudar a ensinar a ouvir música, a respeitar as diferenças, a buscar algo novo, essas coisas”.

Cláudio Rabeca destaca seu desejo de tocar na Bahia: “nunca toquei na Bahia, acho que falta criar essa ponte entre esses dois gigantes que são Pernambuco e Bahia, infelizmente não surgem convites, ou não sabemos chegar...”, declara. Tom Zé, Gil e Caetano, Novos Baianos e Elomar sempre estão no repertório auditivo de Cláudio Rabeca. Curitiba, Porto Alegre, Florianópolis, e o norte brasileiro - Belém, Manaus e Rio Branco são territórios que ele deseja também desbravar.
O Quarteto Olinda está em fase de composição do segundo CD. Cláudio Rabeca é mais um artesão da música pernambucana que rompe com o mercado fonográfico da mídia disponibilizando seu ofício no My Space – Cláudio Rabeca
- Tocar Chorinho na Rabeca é difícil?
“É um pouco difícil sim, acho novo para o instrumento, principalmente por eu ser Rabequeiro de formação. Não passei pelo Violino antes, pois existem alguns violinistas que tocam Choro, inclusive na Rabeca, como venho da tradição do Forró e do Cavalo Marinho, tento injetar esse sotaque aos Choros. Por enquanto, toco apenas Doce de Coco, Naquele Tempo, Eu quero é Sossego e Lamento”.
Cláudio Rabeca e o Quarteto Olinda sempre tocam no carnaval multicultural do Recife. Na capital pernambucana, a decisão em socializar o carnaval tornou-se visível através das realizações de shows de cantores e bandas locais, internacionalmente conhecidos como Lenine, Silvério Pessoa, Cordel do Fogo Encantado, Mundo Livre S/A, Nação Zumbi, e principalmente grupos e blocos afro-brasileiros que se apresentam nos bairros nobres e periféricos.

Mas é em bairros do Recife como Ibura, na periferia, Pina, na zona sul, Casa Amarela, bairro nobre, e Marco Zero, no Recife Antigo, que recifenses e estrangeiros assistem a abertura do carnaval multicultural da cidade, com o percussionista negro Naná Vasconcelos, orquestrando os tambores afros. A platéia também já teve oportunidade de assistir shows de artistas nacionais como Marisa Monte e Elza Soares. Por determinação do ex-prefeito João Paulo (PT), os artistas locais passaram a se apresentar na periferia. Caso o artista recusasse apresentação, privilegiando bairros nobres, não teria oportunidade em nenhum outro lugar. O objetivo é não fazer distinção de classe. A prefeitura se “apropriou” do conceito de multiculturalismo e decidiu acabar com a existência e o aumento da privatização do carnaval.

Cláudio Rabeca adora ler. O gosto pela leitura incitou o ímpeto e o prazer de degustar as biografias de Jackson do Pandeiro, João Silva, mas tem preferência por João Cabral de Melo Neto.

A ambição de ver a Rabeca lacrimejar tem um ar peculiar. Os que tocam Choro na Rabeca vieram da música clássica, são violinistas, Nicolas Krassik (RJ) e Jeferson Leite (GO). Parafraseando o poeta, navegar é preciso. Ambicionarmos o Choro por Cláudio Rabeca também é preciso.
Escute - Rabeca Enxerida, Herança e Sábio Pescador:


Rabeca Enxerida - Cláudio Rabeca by antonionelsonlp


Herança - Cláudio Rabeca by antonionelsonlp


Sábio Pescador - Cláudio Rabeca by antonionelsonlp

No ar, os armengues da Copa

TELEANÁLISE


Sentinela - Malu Fontes*



E
nquanto os prazos para as obras de infra-estrutura que o Brasil precisa fazer para não passar vergonha internacional durante a Copa do Mundo começam a ficar estreitinhos, pipocam aqui e ali nos telejornais os sinais de que o famoso jeitinho brasileiro e os acordões que darão vantagens financeiras a poucos e ricos vai fazer a festa. Durante a última semana, os parlamentares apresentaram algumas pérolas que devem tornar a Lei da Copa digerível para a insaciável FIFA, que apresentou ao governo brasileiro trocentas e algumas exigências, da liberação da venda de bebidas alcoólicas nos estádios à proibição de meia entrada para quem não pode pagar pelos ingressos caros geralmente cobrados nos mundiais de futebol.

Não deixa de ser engraçado que o mundo e os berros ecoantes e onipresentes da televisão trombeteiem cada dia com mais adjetivos medonhos o cigarro convencional ao mesmo tempo em que é tão tolerante, leniente e dócil com o consumo de bebidas alcoólicas, cujos males, na sociedade brasileira, não ficam nada longe daqueles causados pelo cigarro, embora sejam sim males de natureza diferente. Por que a propaganda de cigarro é tão demonizada se a do álcool passeia ostensiva, livre e faceira na programação televisiva e em todas as plataformas em que cabe uma campanha publicitária? Ah, tá: a bebida alcoólica nada tem a ver com o índice de homicídios cometidos no Brasil, com dependência química, com as estatísticas trágicas da violência doméstica e com determinados dados epidemiológicos da saúde pública nacional.

FADAS E DUENDES - A julgar pelo espaço glamouroso que o consumo de álcool ocupa na televisão e no imaginário da boa sociedade brasileira, em contraponto com o cigarro amaldiçoado pelos corretos e limpinhos, não é de se estranhar que uma das principais exigências da FIFA para a Copa no Brasil esteja prestes a ser concedida com tapete vermelho no Congresso, nas agências publicitárias e, sobretudo, sob aplausos da poderosa indústria nacional de cervejas. A expectativa é a de que, talvez ainda nesta semana, o Congresso aprove a Lei Geral da Copa não apenas autorizando a venda e o consumo de bebida alcoólica nos estádios durante o mundial, mas, espertamente, estendendo essa liberação a todo e qualquer campeonato nacional, onde a prática vem sendo combatida em função dos índices de violência registrados nos estádios.

Diante do menor questionamento de que pode ser arriscado liberar a venda de álcool nos estádios, o otimista relator da Lei, o deputado Vicente Carvalho (PT-SP), foi de uma sensatez comovente para quem acredita em fadas, duendes e que tais e sobretudo na ressurreição da cordialidade do torcedor nos estádios: “Nós temos de apostar na civilização. O mundo inteiro pratica isso. Alguns estados brasileiros praticam isso. É só você ser mais duro na fiscalização e na penalização de quem cometer excessos”. Sim, todos os brasileiros, em cujas capitais dezenas de pessoas são assassinadas a cada fim de semana, não só acreditam na civilização como muito mais na fiscalização e na penalização. Não, ninguém acreditou jamais que o consumo de bebidas alcoólicas ficasse proibido nos estádios brasileiros na Copa do Mundo, mas a razão para isso não era nenhuma aposta da sociedade em civilização ou no rigor do Estado para vigiar ou punir excessos. A coisa tem outro nome e não custa nada dar nome às coisas: o lobby da indústria de bebidas e sua força junto à FIFA jamais seria derrotado.

toalha - A liberação da bebida nos estádios é só lado mais business dos acordões que ainda se darão em torno da Copa. O diabo mora é nos armengues que ainda serão anunciados e estes deverão ser muitos. Instâncias do governo praticamente já jogaram a toalha de que vão armengar como podem as obras nos aeroportos das capitais nas quais haverá jogos. A admissão de que as coisas não serão feitas se traduz em outra forma de declaração: as empresas privadas de aviação vão poder usar as bases aéreas militares para coletar e despejar seus passageiros. Se os aeroportos já não têm estrutura, imaginem-se multidões de brasileiros e gringos embarcando e desembarcando em bases militares jamais preparadas para esse tipo de fluxo...

Para não perder o caráter paternalista nacional e ao mesmo tempo não agredir tanto os bolsos furiosos e famintos da FIFA, ao invés de meia-entrada para TODOS os estudantes e idosos, como inicialmente defendia o governo brasileiro, a relatoria da Lei Geral da Copa achou uma saidinha: o texto prevê a destinação de um lote fechado e inalterável de 300 mil ingressos, incluindo todos os jogos, custando a metade do preço e já categorizados como “Cota Social”.

CAMPEÕES DO PASSADO - Sim, as cotas chegaram à Copa. Além dos estudantes e dos idosos, os índios e os beneficiários dos programas sociais do governo, como o Bolsa Família, também terão o direito de disputar a tapa esses 300 mil ingressos da Cota Social, cujo valor unitário não deverá ficar abaixo de 50 reais. E ainda há um mimo empurrado de última hora na Lei Geral da Copa, embora qualquer pessoa sensata se pergunte o que tal benefício tem a ver com uma legislação que deveria ser específica para um mundial de futebol. Foi incluída no projeto, de última hora, a criação de um prêmio de 100 mil reais para os campeões das copas de 1958, 1962 e 1970, além de um auxílio financeiro mensal para jogadores da seleção no passado e que hoje vivem com dificuldades financeiras. Embora os jornais tenham anunciado na última semana que o Brasil parou de crescer, parece que, em tempos de oba-oba, o delírio de alguns representantes do povo de pedir esmola com o chapéu dos outros vai de vento em popa.


*Malu Fontes
é jornalista, doutora em Comunicação e Cultura e professora da Facom-UFBA. maluzes@gmail.com

O Rap em Salvador


Como os jovens rappers estão mudando a realidade da periferia.

O jovem rapper Filipe Gurih grava no próprio quarto


Por Adriano S. Ribeiro/Fotos: Adriano S. Ribeiro


Às quatro horas da manhã de uma sexta-feira, um acidente de trânsito deixou o bairro mais boêmio de Salvador (BA), o Rio Vermelho, sem energia, e 400 fãs de rap, que lotavam uma badalada casa de eventos, completamente no breu. Ao ser bruscamente interrompido pelo apagão, após duas horas de apresentação, o rapper Emicida foi iluminado, no palco, por celulares e câmeras fotográficas. Sem microfones, nem caixas de som, contando apenas com uma voz potente, o MC continuou cantando. A partir daí, foi o público que deu o show e, em coro a capella, recitou todos os versos da música Triunfo, puxada pelo ídolo. No final, Emicida chorou. Confira na íntegra: www.adrianosribeiro.blogspot.com
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