terça-feira, 24 de março de 2009

Morto, enfim quitarei

Sentinela - Luis Guilherme*
lulapt@svn.com.br

Após 240 meses de regular pagamento da prestação da casa própria e do seguro do imóvel à Caixa Econômica Federal – CEF –, completou-se o prazo dos 20 anos do financiamento – o equivalente a R$ 21.545,53 – iniciado no final de 1988, após a quitação de uma entrada de 25% do valor total. Com a 240ª prestação, paguei à CEF a soma de R$ 66.364,78. O imóvel – um apartamento de dois quartos – é localizado na Ladeira do Arco, no Barbalho. Acontece que a Caixa está cobrando mais 108 prestações de R$ 3.253,66 a fim de receber o saldo residual, atualmente de R$ 180 mil. Sobrou-me apenas procurar o auxílio da Justiça.


Até dezembro de 2008, devido ao percentual estabelecido em 1988 para a equivalência salarial, este mutuário pagava em torno de R$ 300,00 por mês. O despudor da Caixa, através da Engea, empresa para a qual ela repassou os seus créditos, permitiu-lhe multiplicar o valor por 10, desconhecendo por completo que a equivalência salarial regia o contrato. Pretendi há uns três anos dialogar com a Caixa e paguei a taxa estipulada para a avaliação do imóvel. Resultado, a Caixa ou a Engea quis receber pelo imóvel, suponho que à vista, o valor de mercado, desconhecendo por completo o montante das prestações pagas. Não topei. Não imaginava, então, que a escorcha seria, mais adiante, bem pior. É bem verdade que ouvi certa vez de um gerente que a CEF não me vendera um imóvel e sim dinheiro. Diga-se: dinheiro exageradamente caro.


O professor e advogado Luiz Carlos Forghieri Guimarães, da Escola Superior de Advocacia da OAB/SP, entende que o problema fere direitos pétreos assegurados na Constituição Federal de 1988 e considera indispensável que o Supremo Tribunal Federal o examine e exare decisão a respeito. Seu artigo “Sistema Financeiro, Saldo Residual e a Constituição Federal” alerta para o fato de que é impossível extinguir o débito [saldo resuidual]. E, sentencia: “Só não enxerga quem não quer, ou não se quer enxergar que esses contratos habitacionais cumprem uma disfunção social, tornando-se, na verdade, para o mutuário, o castigo de tântalo, da mitologia grega, para nunca mais terminar, em outro dizer, daqui a 50 anos haverá saldo residual, daqui a 500 anos haverá saldo residual, enfim, haverá saldo residual ‘ad eternun’”.


Fico imaginando como deve reagir alguém com instrução básica e frágil musculatura psicológica diante de um problema das dimensões como este que se apresentou a mim desde janeiro deste bendito ano de 2009. Espero que os advogados que constituí obtenham sucesso e que contribuam para a construção de jurisprudência que auxilie a milhares – só na Bahia há mais de 12 mil mutuários em situação semelhante à minha – de pobres brasileiros que seguem adiante com a pressão alta e o medo que lhes abate o viver. Estou certo de que não será necessário morrer para, enfim, o seguro quitar o débito.

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