quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Adeus, Fonte Nova


Sentinela - Luis Guilherme Pontes Tavares*


Se a indignação moveu alguma personalidade ou instituição baiana a se manifestar contra a demolição do Estádio Octavio Mangabeira (Fonte Nova), ela não foi estampada na capa dos jornais da Cidade do Salvador. A ratificação da decisão do governador Jaques Wagner de demoli-lo foi anunciada há alguns dias, logo após a inclusão da capital baiana entre as sedes dos jogos da Copa do Mundo de 2014. Reafirmou assim a decisão tomada em novembro de 2007, quando o desmoronamento de um degrau da arquibancada superior do estádio causou a morte de sete pessoas. A decisão governamental causa-me muito menos indignação do que o silêncio quase absoluto dos baianos a esse respeito.

Há anos que observo, sentido, o quanto de silêncio amordaça a muito de nós diante das perdas que assistimos na Cidade do Salvador. Lamentei, por exemplo, que a Churrascaria Alex, que foi o espaço familiar de tantos desde a minha infância da década de 1950, tenha desaparecido sem que houvesse a mínima manifestação de saudade. Foi assim também com a Primavera e os seus sorvetes Beijo Frio e Esquimó. Por outro lado, atravessei anos olhando o Forte de São Marcelo e o Hotel Stella Maris arruinados e me alivia agora que os dois, sobretudo o hotel, foram recuperados e estão funcionando a contento. Isso é um alento!

A demolição da Fonte Nova significa que, além do estádio, serão postos abaixo também o conjunto de piscinas do parque aquático e o Ginásio Antonio Balbino (Balbininho); significa, ademais, que deixará de existir a obra concebida pelo arquiteto baiano Diógenes Rebouças, cujo traço reflete as influências do movimento modernista brasileiro. Sobre isso, o decano dos arquitetos, o centenário Oscar Niemeyer, não escondeu a opinião de que a obra de Rebouças deveria ser preservada pelo que contém de inteligência e história.

Do outro lado do Atlântico, ali na Espanha mediterrânea, em Barcelona, há uns tantos imóveis de Gaudi que são venerados pelos nacionais e pelos estrangeiros. Quem há de propor e depois aplaudir, por exemplo, a demolição do Guggenheim de Nova Iorque desenhado por Frank Lloyd Wright? Duvido que os cariocas admitam de bom grado que as casas criadas pelo arquiteto (baiano) José Zanini Caldas deixem de embelezar mais ainda as encostas de São Conrado e da Barra da Tijuca. O respeito, a admiração, o reconhecimento serão fundamentais para que as obras que Santiago Calatrava edifica hoje na Espanha e no mundo possam ser mantidas e admiradas nos próximos séculos. Por que que nós baianos não nos indignamos com aquilo que estamos perdendo???

Temeria – se não enxergasse as posturas democratas do governador Jaques Wagner – que a demolição da Fonte Nova contivesse tão-somente o propósito de simbolizar um ato de afirmação de autoridade. Cometido esse, outros viriam e, passivos, assistiríamos uma sequência de obras esdrúxulas e milionárias tais como a demolição do Elevador Lacerda e a construção, no local, de novíssimo elevador panorâmico de cristal fumê bordô e assim por diante.

Por que demolir a Fonte Nova se o mais apropriada poderia ser a construção de um novo estádio num ponto de interseção da capital como os municípios vizinhos? Há mais de 30 anos que a capital integra a rede de cidades da Região Metropolitana de Salvador. Jamais desenvolvemos a consciência coletiva com relação a essa situação que requereria progressos no sentido da solidariedade e do compartilhamento coletivos.

Na minha metropolitana opinião, a hora é de parar para pensar. Pensar por exemplo em quanto continuamos pobres e quanto as antigas gerações pagaram para edificar o belo projeto de Diógenes Rebouças. Derrubar a Fonte Nova é empobrecer mais ainda.

* Luís Guilherme Pontes Tavares é Jornalista, produtor editorial, professor universitário e colunista do Sentinelas da Liberdade.

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