quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Salvador envelhecida, o presente do futuro


IBGE projeta que em 2035 já tenhamos uma criança de 0 a 14 anos para um idoso com 65 anos ou mais idade.


Maísa Amaral Carvalho Amaral e Antonio Nelson Lopes Pereira*

Fecundação. Questão altamente discutível, principalmente quando o assunto é inversão da pirâmide etária brasileira. Na Bahia, a transformação social, principalmente com a urbanização, foi um forte elemento para que mulheres e homens começassem a pensar duas, três ou até mais vezes quando o assunto é ter filhos. O coordenador técnico do Censo Demográfico Unidade Estadual do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) na Bahia, Joilson Rodrigues de Souza, que já atua há 29 anos no órgão, em entrevista para o Sentinelas da Liberdade, ressaltou questões relevantes sobre a temática como políticas públicas, taxa de fecundação, preocupação dos jovens com o idoso, entre outros.

Confira a entrevista! Português, Inglês, Espanhol, Francês, Alemão...

Sentinelas da Liberdade – Qual a atual realidade da cidade do Salvador em relação ao processo de envelhecimento?

Joilson Souza – Um tanto atenuado. Salvador é uma cidade metropolitana que recebe um fluxo grande de imigrantes e esses vêem para capital por um objetivo muito específico: estudar, trabalhar, enfim, buscar uma oportunidade de atendimento para demandas não atendidas nos seus locais de origem. Isso faz com que a composição média da população de Salvador tenha mais jovens do que a média do estado como um todo e também no Brasil. Essa juventude que acaba interferindo nas médias faz com que Salvador resista um pouco mais ao modelo de envelhecimento, que no caso particular da Bahia, já é mais intenso do que o que acontece no Brasil, ou seja, hoje nós temos uma taxa de fecundidade próxima de 1.86 filhos por mulher, abaixo da taxa de reposição. Quando a fecundidade chega a esse nível, pode-se considerar que o suprimento de reprodução humana é insuficiente para repor as mortes que ocorrerão indubitavelmente por aqueles que vão alcançando a maturidade. Esse processo combinado com menos expectativa de vida faz com que tenhamos uma população proporcionalmente cada vez mais envelhecida, a ponto de já projetarmos agora, que por volta de 2035 já tenhamos uma criança de 0 a 14 anos para um idoso com 65 anos ou mais idade, ou seja, teremos alcançado o que conceitualmente se chama de grau de envelhecimento da população. O que não pode ser entendido a priori como algo ruim ou bom. A discussão talvez seja o equilíbrio entre essas duas condições. Por tanto, envelhecer, ter uma cota social envelhecida, é positivo porque mostra o como as pessoas têm mantido sua vida com qualidade, por outro lado, quando ela resulta da diminuição dramática da reposição humana, devemos nos preocupar, porque essa pirâmide etária sofre um relativo desequilíbrio, fazendo com o que tenhamos no futuro menos pessoas produtivas e um conjunto maior de pessoas dependentes daquelas produtivas, seriam as crianças e os idosos, embora a tendência agora é que tenhamos mais idosos do que crianças.

SL- Quanto às políticas públicas, nos últimos dez anos houve uma evolução para atender essas demandas?

J.S – O que tenho visto até aqui é um aumento na busca de conhecimento dessas tendências. Alguns fóruns já vêm sendo criados para discutirem o envelhecimento da população e certamente esses fóruns terão em alguma medida ambientes de cobrança, de percepção, políticas públicas específicas para o atendimento ao idoso. Não apenas no ponto de vista previdenciário, os valores da previdência para esse contingente, mas na ação preventiva, da acessibilidade e do atendimento de um contingente que teria um crescimento e uma taxa muito superior do que a taxa de crescimento médio da população. Na verdade é que esses com idade acima de 80 anos vêm crescendo até mais rapidamente do que aqueles com 65 anos ou mais. O que fala claramente do aumento da expectativa de vida. A idéia é de que comecemos já a refletir e tomar decisões de natureza sociológica, ambiental, de infra-estrutura para atender essa população importante e não obstante, de uma atenção maior, seja no campo da Saúde, seja na atenção, na afetividade e proteção familiar e de um reconhecimento social também para a importância que o idoso tem para qualquer meio.

SL- Houve uma diminuição na taxa de fecundidade nos últimos dez anos?

J.S – Dramática. De 70 prá cá, a fecundidade na Bahia caiu de 7.2 filhos por mulher para próximo de dois, 1.8 filhos por mulher. Uma queda dessa natureza, certamente não por motivos baseados estreitamente no controle da natalidade, através de usos de contraceptivos orais, por exemplo, mas pela esterilização ou laqueadura. Significa dizer que temos mais de 27% das mulheres em idade fértil já estéreis, ou seja, sem condição de retomar a fecundidade caso desejassem. Quando encontramos um quadro como esse é o mesmo que dizer que as tendências da reposição da fecundidade são de fato baixas, primeiro porque não há o encorajamento como reconhecimento social, da importância de ter mais filhos, no sentido de compor a base social, e da pirâmide etária, mas também porque em alguma medida as mulheres já estão internamente convencidas da importância de ter filhos, ainda que isso se confronte muito com seus projetos pessoais, na área profissional, acadêmica, o que faz com que o Brasil esteja reproduzindo nesses últimos 30 anos algo que a Europa precisou 300 anos para poder viver, ou seja, uma transição demográfica, baseada em uma redução dramática da fecundidade e no crescimento do envelhecimento também em taxas muito superiores.

SL – Quais as maiores dificuldades enfrentadas no país e as possíveis soluções?

J.S – No caso particular do envelhecimento, consideremos que país que têm uma rede de proteção social mais estruturada, que anteviram o envelhecimento da população, tem conseguido enfrentar de uma forma razoável o envelhecimento e todas as demandas que a população idosa tem. Em um país como o nosso que até muito pouco tempo era tido como país jovem, não viu, não percebeu, que isso também se configurava como uma tendência para o Brasil. Existe um grande desafio. Primeiro, para refletirmos o que isso representa para a economia, para sociedade, e segundo, tratar de criar as condições necessárias para que esse grupo seja estendido, respeitar as nossas demandas, recepcionadas nessa condição, até porque não estamos falando de idosos que virão, estou falando de mim, que logo estarei nessa condição. É preciso imaginar que a sociedade da qual faço parte hoje precisa criar as condições necessárias para que me abrigue quando a minha condição etária demandar uma atenção especial.


SL- Embora não seja sua especialidade, você percebe uma preocupação dos jovens com o idoso?

J.S – Posso estar sendo injusto, mas a minha resposta, baseada na minha percepção é não. O jovem não tem esse conhecimento, não tem essa visão ou mesmo essa sensibilidade voltada para relação com o idoso, como algo importantíssimo para o aprendizado e para o crescimento pessoal. Isso decorre também como resultado de um modelo econômico. O capitalismo tem um pouco essa visão de que aquele que é pouco produtivo acaba tendo uma menor importância para a sociedade. Então o idoso, como indivíduo que representa um conjunto importante de demandas e carências e pelo mesmo lado não é também tão produtivo como são os jovens, acaba tendo menor importância. Não é obstante saber e considerar que o idoso guarda consigo muita experiência, sabedoria extremamente necessária para a sociedade que também é oral. Embora a nossa sociedade tenha várias formas de conhecimentos, há também um conhecimento que está guardado através da experiência do idoso e precisa ser resgatado e qualificado, seja no âmbito da sociedade geral, mas também familiar.

SL - Existe orientação do governo para que mulheres e homens tomem conhecimento de outros métodos contraceptivos, evitando a esterilização?

J.S – Acredito sim. Na verdade, o Brasil vive também o que podemos chamar de uma crise neomalthusiana, ou seja, a tese que lá no século XVII e XVIII divulgava que o mundo sofria uma difusão demográfica, portanto a capacidade de produção de alimentos seria inferior ao crescimento da população. Essa tese que naquela época serviu para orientar inclusive sugerir que as mulheres não tivessem filhos, ou que quando casadas evitassem a relação sexual, como uma forma de evitar o nascimento de filhos, em alguma medida foi reeditada, muito recentemente, porque a tese da urbanização também criou certa insegurança, interpretada a princípio como se também fosse uma explosão demográfica, o que na verdade é uma tolice. O mundo todo não caminha para uma explosão demográfica, muito pelo contrário, caminha para o envelhecimento, pois com a redução de seu contingente, espera-se que até 2050, aproximadamente, a população mundial comece a diminuir. No caso particular do Brasil, a partir de 2040 já comece a diminuir. Chegaremos à população máxima por volta de 219 milhões no ano de 2040, mas já em 2050 teremos 214 milhões de habitantes, o que mostra que a teoria de Malthus não se confirmará. Não obstante, quando falamos sobre a fecundidade das mulheres, estamos discutindo, na verdade, muito fielmente, essa tese, refletindo pouco sobre o impacto sociológico que isso tem. Não estou discutindo particularmente o fato de uma mulher ter menos filhos, ou até de não tê-los. Mas quando isso se torna um pensamento social, coletivo, dizemos que a sociedade com um todo vai viver os efeitos de uma cultura não reprodutiva, de não reprodução humana. Isso tem um impacto muito grande sobre a sociedade. Imaginamos que lamentavelmente quando falamos da queda de fecundidade na Bahia e no Brasil, isso não decorre necessariamente de um conhecimento, de uma formação das mulheres para planejar melhor sua prole, mas de uma interferência e uma oferta do próprio estado para métodos contraceptivos castrantes. A exemplo da laqueadura, ligadura de trompas, enfim, isso ocorreu sobretudo entre as mulheres mais pobres, no meio rural, e não necessariamente aquelas que são mais escolarizadas. Porque essas, desde o início do século passado já tinham tido menos filhos. Por terem informação puderam escolher outros métodos contraceptivos. Então, o que estamos discutindo é que parte importante da população, sobretudo a mais carente e menos informada, tem contribuído para a fecundidade, de uma forma menos qualificada, por que responde a uma demanda um pouco exógena, fora do seu próprio sentimento. É uma demanda mais coletiva, mais social, e em alguma medida influenciou.

S.L – Alguns acreditam que a redução da natalidade trouxe uma melhora na qualidade de vida. Você concorda?

J.S – Indiscutivelmente. O que acontece é que quando éramos uma economia rural, ter muitos filhos fazia parte de uma estratégia econômica, já que eles participavam de uma forma mais intensiva da produção. No momento em que a população passou a se tornar urbana, 2/3 da população da Bahia vivia no meio rural. Então, a urbanização traz consigo algumas demandas e talvez também interfira na formação da família. É verdade que as discussões sobre a qualidade de vida não respondem isoladamente por essa escolha. Admitamos, por exemplo, de que as funções gerais de estrutura, meios, acesso a médicos e logística de modo geral, como transporte, escola e muito mais é muito superior agora. Assim podemos dizer que as condições de ambiente ficaram um pouco pior, mas sabemos também que a fecundidade responde muito mais sobre uma estratégia da família do que necessariamente da sociedade. Há um temor maior em ter filhos, porque também há um temor em cuidar, pois pai e mãe não conseguem está tão presente quanto no passado. As famílias diminuíram de tamanho.

S.L – E o que representa a ampliação do Censo Demográfico para a Bahia?

J.S –
É a principal pesquisa brasileira sócio-demográfica. Importante dizer que o Censo desde que ele foi criado tem um núcleo que está voltado para as variáveis (população, sexo, raça, entre outras). Mas pela relação que temos com tantos outros ambientes técnicos que têm demandas muito claras, foram criados sistemas mais recentes. A admissão no próprio questionário de declarações de casais homossexuais, por exemplo. Também vamos está investigando profundamente os povos indígenas não apenas sobre o seu povo, mas qual é a língua falada, escrita, como uma forma de identificarmos a identidade étnica e independência e até a preservação dos valores e culturas indígenas. Também investigaremos a emigração do país. O censo como um todo é uma pesquisa que permite um retrato mais amplo e social do país.

S.L – Os meios de comunicação de massa informam os dados e estudos estatísticos do IGBE de forma contextualizada?

J.S – Tem melhorado. Na verdade consideramos que uma boa produção jornalística ela se realiza quanto mais profundamente esse profissional busca informações. É preciso que os assuntos sejam entendidos na sua profundidade, e que as matérias sejam mais informativas. O IBGE disponibiliza antecipadamente o conteúdo técnico que dará base ao jornalista para a pesquisa.

S.L – Considerações finais?

J.S - Apenas quero dizer que para a iniciativa do blog estarei sempre à disposição. Reconheço que essa é uma iniciativa importante, que fala de uma imprensa nova. Busca uma relação mais íntima com a fonte e que a qualifica à medida que escolhe para livremente expressar seu pensamento, sua visão.





*Maísa Carvalho Amaral:




“A arte de desenvolver um jornalismo ético”. Essa é a minha busca constante. É editora-chefe do Sentinelas da Liberdade. Natural de Salvador-BA. Jornalista formada pelo Centro Universitário Jorge Amado, atuou na redação do Diário Oficial do Estado da Bahia e na Assessoria de Comunicação da Agerba. Ainda em Assessoria, foi responsável pela comunicação interna e externa da Faculdade Unirb.




Na área de concurso público e Educação, desenvolveu o papel de repórter na Sucursal Nordeste do jornal Folha Dirigida, e posteriormente foi coordenadora de Jornalismo. É assessora da SECOPA – Secretaria para Assuntos Extraordinários da Copa do Mundo FIFA 2014 – Bahia.

Antonio Nelson Lopes Pereira:




“Jornalismo, Esporte, Política e Economia, Multicultura e Ciberespaço, Fotojornalismo e Cinegrafista”. É editor-chefe, autor e idealizador do site Sentinelas da Liberdade.




Natural do Recife-PE. Na década de 90, assistiu e viveu o surgimento e ascensão da mistura do maracatu com o rock, hip hop e música eletrônica através do movimento Manguebeat, liderado por Chico Science e Nação Zumbi; Fred 04, vocalista do Mundo Livre S/A.




Desde 05 de março de 2001, reside na cidade do Salvador/BA. Cursa Jornalismo na Faculdade Social da Bahia (FSBA) com intuito de desenvolver um jornalismo ético e de interesse público... Jornalismo 24 h.




Maísa Carvalho Amaral e Antonio Nelson Lopes Pereira - Fotos.







O Sentinelas da Liberdade atendeu a solicitação dos visitantes e reproduziu entrevista realizada em 28 de outubro de 2009. Reflita. Antonio Nelson








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