quinta-feira, 22 de outubro de 2009

O lugar da Ciência

Sentinela - Frederik Santos*
sentinelas@sentinelasdaliberdade.com.br

Por que o tema Ciência e Religião é tão intrincado e desgastado em nossos dias? Por que é tão difícil encontrar honestidade e seriedade quando se trata do debate entre estes dois campos? As razões são várias. Para começar a enumerá‐las irei partir da constatação de um fato que não pode ser ignorado aqui, esses dois campos estão entre aqueles que mais movem certos grupos sociais e a maioria dos que detém o poder nas mãos.

Se conhecimento é poder, não menos, o discurso religioso também o é. Ciência envolve conhecimento e hoje conhecimento significa um diferencial que pode levar alguém a superar uma concorrência em um ambiente competitivo ou ainda pode significar maior interferência sobre o mundo, transformando‐o e gerando mais controle sobre ele. Muitas vezes, a religião também tem sido um excelente instrumento de controle de certos grupos sociais e de manutenção do status quo, e a história não nos permite esquecer disso, na verdade, o dia a dia não nos permite esquecer.

E o curioso é que ainda hoje se usa (em escala um pouco menor do que há séculos atrás) distorções de interpretações de livros sagrados ao bel prazer de uma pequena elite para legitimar uma idéia ou alguma ação divina que amedronte uma grande massa. Longe de propagar o medo, hoje muitos rezam aquilo que os cientistas dizem para legitimar suas idéias. Vide doutrinas defendidas pela Teologia do Processo
http://pt.wikipedia.org/wiki/Te%C3%ADsmo_Aberto ou documentários campeões de audiência como Quem Somos Nós 1 e 2 http://pt.wikipedia.org/wiki/What_the_Bleep_Do_We_Know!%3F.

Portanto, uma das principais razões para termos tantas dissimulações sobre o tema, Ciência e Religião, é o vínculo que esses dois têm com o poder de influenciar e muitas vezes de tentar controlar as mentes.

E não tem nada melhor do que produzir distorções, dissimulações e mentiras do que o poder concentrado nas mãos de uma elite, manifesto em todas as suas formas de controle na modernidade, através das mídias, da política e dos púlpitos em que pouco se abre a Bíblia e/ou o coração. A distorção e a dissimulação eram uns dos principais frutos da união entre Igreja e Estado e tais frutos levaram à luta pela descontinuidade desta união, na maioria das sociedades modernas.

Não quero entrar nesse debate, mas o evoquei somente para destacar que discussões sobre Ciência e Religião envolvem questões que vão além dos embates entre intelectuais e fundamentalistas ou brigas doutrinárias internas. E a histórica separação, dando autonomia de atuação a cada uma destas instituições, não resolveu e não resolverá boa parte dos conflitos entre elas, principalmente quando estas se sobrepõem na busca do controle e do poder.

Quais das duas instituições devem dar as cartas do jogo que investiga os valores mais fundamentais da humanidade? Para aqueles que querem começar a conhecer a senhora Ciência com suas rugas terá que visitar bibliotecas que disponibilizem autores como Imre Lakatos, Paul Feyerabend ou A. F. Chalmers para começar (longe de eles terem a última palavra sobre o assunto).

Estes filósofos, que fizeram grande uso da história, mostram o quanto a Ciência não tem nada de unânime e fechada. Além disso, achar que qualquer ciência possa tratar da realidade última das coisas ou da essência da matéria e dos fenômenos é uma das crenças mais atacadas há mais de cem anos dentro da epistemologia. Percebemos o quanto a Ciência tem se calado sobre a maioria das perguntas mais essenciais da humanidade e quanto ela é incapaz de responder a muitos mistérios gerados por ela mesma. Mas, esta limitação não é necessariamente negativa.

A Ciência faz bem aquilo que ela se propõe a fazer. Ela é uma instituição essencialmente humana, sempre sujeita a controvérsias, com sua própria linguagem que quase nada tem a dizer sobre o mundo metafísico, do divino e espiritual.

Vamos falar agora de algumas características e valores gerais compartilhados e historicamente agregados pelas Ciências Naturais. Caracterizar uma idéia geral de ciência através de um método científico universal é uma tentativa artificial que esconde ricos traços particulares de cada disciplina. No entanto, podemos tentar falar de métodos de justificação, racionalização, formalização da linguagem e reprodutibilidade para cada campo do conhecimento natural.

Existem vários métodos que buscam construir a coerência e racionalidade interna do trabalho científico. O uso de cada método dependerá do objeto e do fenômeno estudado. Para muitos não é trivial esta dimensão intersubjetiva, construtiva e limitada da ciência. Até porque, não é isso que se mostra nos livros técnicos da academia e muito menos na maioria dos livros do Ensino Médio.

A despeito de toda essa relativização e limitação, a instituição chamada “Ciência” alcançou grandes feitos nunca imaginados até então. Estes a fizeram alcançar o status que possui hoje, porém não podemos exigir que esta instituição humana forneça respostas que não fazem parte daquilo que ela se propõe a fazer.

Quando muito, as disciplinas científicas buscam dar sentido ao mundo natural construindo teorias úteis para interagirmos com este e tentar construir as melhores explicações possíveis sobre o funcionamento deste. Exigir mais do que isso é desvirtuar o caráter da Ciência e as bases de onde esta foi construída, é corromper seu discurso mais puro e honesto, é ludibriar sobre seus limites.

É isso que muitos tem feito hoje em dia, alguns o fazem por ignorarem o debate em torno dos fundamentos de sua disciplina, e ainda usam seus títulos acadêmicos em alguma área científica para lhes dar autoridade ‐ como se a maioria das nossas universidades seculares ou confessionais formassem profissionais, na área técnica ou científica, com apurado senso crítico e conscientes das controvérsias e limitações que envolvem suas disciplinas.

Outros o fazem levianamente para dar maior legitimidade ao seu discurso e, assim, defenderem seus interesses particulares ou de uma corporação política, financeira ou religiosa. E ainda se justificam através de um sedutor discurso holístico em que se consideram arautos da pós‐modernidade, e muitos destes prosperam à custa de uma “boa” retórica cheia de falácias.

Deixo aqui o meu segundo recado em relação a este debate. Porém, apesar de ter escrito mais sobre algumas características gerais das Ciências Naturais, reafirmo aqui a minha aposta que um bom conhecimento dos fundamentos das religiões mais dominantes no mundo ocidental nos levará para uma diferenciação dos objetivos e das limitações no campo de atuação destas em relação aos das ciências.

*Frederik Santos é professor de Física na Universidade Federal da Bahia (UFBA). Mestrando em Filosofia Contemporânea (PPGF-UFBA). Sua pesquisa concentra-se na área de História e Filosofia dos problemas nos Fundamentos da MecânicaQuântica. Escreve exclusivamente para o Sentinelas da Liberdade. Tem forte atuação na área de educação especial para surdos, como professor bilíngue (Português/Língua Brasileira de Sinais) e agente político.

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